Há um problema comum que toca as organizações comunistas: o grande desinteresse e falta de participação popular em seus espaços, sejam eles cotidianos como reuniões ou em algum evento específico extraordinário. Em algumas situações, nesse último caso até consegue-se alguma quantidade razoável de pessoas se comparado ao primeiro, porém tal número ainda é inexpressivo e fugaz para alguém que almeja uma transformação social em que a massa é a força do processo; e mesmo assim isso só é conseguido na condição de certa capacidade organizativa e de propaganda da tal instituição política. Como não podia ser diferente, essa situação se vê também no movimento estudantil. No dia a dia dos diretórios acadêmicos, DCE's, juventudes de partidos, está a difícil e desgastante batalha de promover espaços os quais sejam presenciados pela base estudantil; e quando algum grupo de estudantes ocupa algum ambiente repetidas vezes, vêm à tona todos os malabarismos para mantê-lo coeso e sem evasão. Além dessa unidade pretendida ser importante para se manter um núcleo de estudantes que pensem política dentro da universidade, a solidez (ou falta dela) desse grupo é o que pode determinar a qualidade de ação dentro do movimento. Sem isso, fica difícil por exemplo se falar em organização ou plano de lutas.
Esse quadro se dá porque a militância é, de fato, difícil. Todos(as) os(as) estudantes têm obrigações específicas de sua atividade que já ocupam demasiadamente seu tempo. A pessoa que queira estudar de forma séria e se desenvolver intelectual ou profissionalmente já vê as vinte e quatro horas diárias como insuficientes. Uma das dificuldades de mobilização está no fato que uma pessoa sem profundas convicções na atuação política dificilmente vai dedicar a preciosa parte do seu dia, o que sobrou das atividades estudantis, em alguma reunião que de forma imediata não vai lhe trazer benefício algum. As organizações políticas cometem um grande erro tático ao pretender que grande número de estudantes despertem em si, de forma despretensiosa, o espírito militante. Uma vez que a pessoa ingressa na universidade, a menos que tenha a convicção política dita acima1, o seu grande e possivelmente único objetivo passa a ser se formar e conseguir um emprego; qualquer coisa além disso e que, ainda mais, não ofereça nenhum benefício a curto prazo, dificilmente vai chamar sua atenção. E esse é o caso da militância política.
E então surge a pergunta: o que fazer? A resposta está na análise das revoluções e movimentos sociais que temos conhecimento. Atualmente a Europa é uma ebulição de revoltas e a população está nas ruas participando ativamente de contestações em torno da sua atual condição de vida e de decisões tomadas pelos seus governos que a deterioram ainda mais - mesmo que em muitas ocasiões sem uma consciência clara das causas que geraram as situações que estão sendo contestadas, e portanto as lutas por vezes não tomam o rumo de uma mudança radical2. Tal mobilização e a participação da massa só são possíveis porque as pessoas veem a olho nu, isto é, sem precisarem de uma análise mais delicada, os seus direitos fundamentais serem retirados pelo Estado. Em situação de crise as contradições se dão sem camuflagem, o governo se revela claramente como instituição ligada à ordem burguesa, e ao perder o direito à moradia por causa da especulação imobiliária, ao ser tolhido da seguridade social conquistada historicamente para o dinheiro da nação se destinar aos bancos, ao não ter emprego, o cidadão europeu se coloca à disposição de lutar. O que faz atualmente o europeu se mobilizar é a precarização em alta velocidade da sua vida e atitudes do governo em plena luz do dia que amplificam essa situação; o incômodo dessas pessoas chegou a um nível intolerável.
Porém, em época de relativa tranquilidade tal qual vivemos hoje no Brasil, essa mobilização se torna mais difícil. A normalidade do funcionamento da sociedade – mesmo que esse funcionamento seja de forma precarizado – e sua relativa estabilidade, produzem uma situação de aceitação de determinados paradigmas como naturais por parte da sociedade; há uma naturalização das coisas como estão. Por outro lado, mesmo em grupos mais esclarecidos que percebem e sofrem as contradições do sistema capitalista, encontramos em grande maioria uma falta de participação política. Isso se dá por uma série de motivos que estão inter-relacionados. Primeiramente, apesar do sistema causar alguns malefícios, o capitalismo também satisfaz necessidades básicas do ser humano3. Além disso, há alguns caminhos que abrem possibilidade de ascensão social (e que também são seguidos por aquele primeiro grupo de pessoas que naturalizam o atual estado das coisas), e portanto as pessoas buscam nesse trajeto atenuar as mazelas do sistema, diminuindo assim a necessidade da transformação social. No caso específico do ser universitário, tal caminho é a conclusão do seu curso, utilizando-o como uma possibilidade de crescimento financeiro; a energia do atrito de classes em muitos casos por si só, diante das recompensas do capitalismo e de sua hegemonia cultural, não é suficiente para ativar a atitude política.
Daí tiramos algumas conclusões importantes que devem orientar o trabalho de mobilização4. O primeiro e mais importante fator que devemos levar em conta – porque transcende o assunto de que estamos lidando aqui, tocando em todos os pontos da militância e dando significado a ela – é o conhecimento por parte do militante do sistema capitalista de forma geral e como este se dá no locus de atuação onde estamos situados. Tal conhecimento, quando for expandido através de um trabalho didático para a base estudantil, é o que vai ajudar a transpor a visão imediatista do não militante, mostrando como o sistema econômico em que vivemos e sua superestrutura trás malefícios para a grande massa de pessoas. Principalmente no movimento estudantil, essa noção de como o capitalismo atua e o que trás de consequências é bastante nebulosa na cabeça do militante, por esse ser um local de iniciação política. Desta forma, o convencimento da participação da base nos espaços se torna difícil, uma vez que a lógica imediatista vence em argumentos no pensamento dos estudantes. O capitalismo e suas mazelas devem ser apontados de forma direta e clara.
Outro ponto que deve ser levado em consideração é que o sistema burguês, sendo excludente, não supre muitas das necessidades da população, e o que faz o ser humano se mover é a necessidade. Se as pessoas muitas vezes seguem o trajeto de vida padrão proclamado pela hegemonia cultural burguesa, e assim são desviados da participação política, é porque esta não está representando a resolução em curto prazo de parte dos seus problemas. Mesmo que tais problemas sejam gerados pelo capitalismo, a visão restrita do não militante não percebe isso, e vê num caminho naturalizado por nossa sociedade uma possibilidade de melhora na qualidade de sua vida. Se a organização política oferece à massa uma segunda via que atenue sua condição de explorado, ajudando a resolver os inúmeros problemas causados pelo sistema burguês, a participação popular em tais espaços vai ser bastante numerosa. Indo além disso, o atuar na prática dando um suporte à massa explorada é a forma mais didática e sincera de mostrar ao povo qual é o objetivo do militante comunista, o que ele almeja, diferenciando-o de organismos políticos de direita ou reformistas.
No âmbito estudantil, por exemplo, notemos a incapacidade do Estado de prover educação pública que possibilite condições igualitárias de acesso ao ensino superior5. A quantidade de estudantes secundaristas que são impossibilitados de ter educação superior é gigantesca, e portanto a demanda por educação é gritante. Segue daí que pode ser criado um espaço educativo que possibilite um estudo gratuito de alta qualidade para o processo seletivo de ingresso nas universidades. Porém, tal espaço tem que se diferenciar dos cursinhos pré vestibulares pela forma e objetivo do ensino. Neste ambiente, o ensino, além do seu objetivo dito acima, tem que prover ao aluno a justa capacidade de entender a dinâmica da sociedade capitalista de forma crítica.
Por fim, as situações de militância estudantil têm que buscar também se envolver com as demandas corporativas do aluno universitário ou secundarista, e assim ajudar no prosseguimento da sua formação pessoal. Se isso é conseguido com alguma frequência, tais espaços se tornam bem mais atrativos, e um contato inicial pode ser o que quebre a aversão que existe de entidades políticas. Pode-se buscar, por exemplo, que os espaços de formação do diretório acadêmico deem carga-horária que sejam abatidas do curso. Ou então a busca da criação, junto a um professor interessado, de extensão universitária que se relacione com a militância, podendo inclusive oferecer alguma bolsa.
É dever então do militante do partido político, do membro do diretório acadêmico – este sim possível de atuar objetivando um resultado que não se dá no imediato –, buscar na necessidade básica do estudante não militante a semente para a sua participação política. Tal necessidade básica é ameaçada por várias contradições provocadas pelo próprio capitalismo; como já foi dito, esse sistema gera o seu próprio coveiro. O militante deve se basear nessas contradições ou necessidades para trazer o estudante ao debate político; deve-se não deixar que as contradições do sistema sejam atenuadas pela ideologia hegemônica e suas parcas recompensas individuais.
Lucas Mesquita, militante da União da Juventude Comunista.
1 Ou crie uma durante a sua formação acadêmica, porque de fato alguns estudantes conseguem vencer esse imediatismo, isto é, o que eu falo aqui se aplica a maioria mas não a todos.
2 Radical no sentido de haver uma mudança que vá à raiz do problema, e não somente que resolva a situação superficialmente.
3 A relação entre malefícios e satisfação de necessidades varia muito dependendo da classe social em que a pessoa se encontra, e também de objetivos pessoais. Mas a grosso modo sempre há a existência dos dois lados da moeda na existência individual.
4 Essas conclusões bem podem ser analisadas em outros casos, tomando cuidado com a especificidade do locus de atuação.
5 De fato, lutamos por acesso universal. Mas a curto prazo, como mediação tática, podemos lutar por uma concorrência em condições igualitárias.
Fonte: http://cadernosmiscelaneos.blogspot.com.br/2012/11/sobre-mobilizacao.html
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