Brasil - Brasil de Fato - [Aline
Scarso e Eduardo Lima] Segundo pesquisa, regiões da Alta Mogiana e Pontal do
Paranapanema registraram aumento da industrialização do campo e crescimento da
pobreza.
Uma pesquisa de mestrado da
Universidade Estadual Paulista (Unesp) mostrou que existe uma relação entre a
expansão de atividades do agronegócio e o crescimento da pobreza em áreas específicas
do estado de São Paulo. Segundo o estudo, regiões reconhecidas pela força
agroindustrial estão passando por um processo de concentração de renda, de
terras e de pobreza. O levantamento sinaliza ainda que o agronegócio aproveita
a vulnerabilidade das regiões para se instalar e criar raízes. Intitulado São
Paulo Agrário: representações da disputa territorial entre camponeses e
ruralistas de 1988 a 2009, o estudo é do pesquisador do Núcleo de Estudos,
Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera), Tiago Cubas. Ele trabalha com
dados como o Índice de Pobreza Relativa, Índice de Gini e de Concentração de
Riqueza para revelar uma situação de contradição.
Hoje a população rural do estado
é de 1,7 milhões de habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Em 1980 era de 2,9 milhões. De acordo com a
pesquisa, a região do entorno da cidade de Ribeirão Preto, a chamada Califórnia
Brasileira, é uma das que mais aumentaram o abismo econômico entre a população
durante os anos de 1988 a 2009. Situação semelhante também ocorreu no entorno
das cidades de Araraquara e Campinas e nas regiões do Pontal do Parapanema –
principalmente no entorno dos municípios de Presidente Prudente e Araçatuba, e
do Vale do Ribeira, entorno do litoral sul paulista e de Itapetininga. Dos 645
municípios paulistas cadastrados para mapeamento, apenas 228 municípios
conseguiram amenizar a intensidade da pobreza no período pesquisado. No
restante, a miséria aumentou.
O autor mostra que as regiões
onde isso ocorreu são espaços do desenvolvimento do agronegócio, especialmente
da monocultura da cana-de-açúcar. É o caso da Região da Alta Mogiana (Ribeirão
Preto, Araraquara e Campinas), onde a cana é preponderante. A área do Pontal do
Parapanema, tradicionalmente reduto da pecuária no estado paulista, também
sofreu com a expansão da monocultura. "Isso pode significar que o
agronegócio escolhe as áreas mais vulneráveis para se instalar e, assim por
diante, acirrar as desigualdades sociais e degradar o meio ambiente",
explica o pesquisador.
Além de terem se tornado mais
desiguais socialmente, essas regiões são as que mais registram conflitos e
assassinatos contra trabalhadores rurais e camponeses. "Quando acoplamos
as análises, a representação da expansão da cultura da cana-de-açúcar no
período mais recente com os outros elementos é possível ver uma relação com
maior incidência de violência", explica Cubas ao Brasil de Fato.
Incentivo dos governos
A cultura da cana-de-açúcar é exercida
em grandes extensões de terra e associada ao trabalho precarizado, à expulsão
de pequenos proprietários rurais e ao conflito com acampados e assentados da
reforma agrária.
De acordo com Cubas, a expansão
da cana iniciada pela ditadura civil-militar na década de 1970 – na época, como
alternativa diante do crescimento do preço do petróleo - ganhou forte impulso
de continuidade no estado de São Paulo graças à presença do PSDB no comando do
governo estadual e a entrada do PT na esfera federal. Os ex-ministros do
governo Lula, João Roberto Rodrigues (Agricultura) e Antonio Palocci Filho
(Fazenda) teriam sido, segundo ele, grandes articuladores do governo com o
setor canavieiro.
O crescimento expressivo do setor
no estado ficou registrado no número de toneladas produzidas e na exigência de
terra, cada vez maior, para plantio. Apenas no estado paulista, a produção em
toneladas da monocultura passou de 138 em 1990 para 239 em 2004 e 426 em 2010.
A produção em milhões de hectares para os mesmos anos foi de 1,8; 2,9 e 4,9,
respectivamente. Um crescimento bem superior a 100% nos dois casos. O destaque
ficou por conta da região de Ribeirão Preto que, em 2010, concentrou as três
maiores produções: Morro Agudo (com a produção de 7,9 milhões de toneladas).
Barretos e Guaíra - cada qual produzindo 5,8 milhões de toneladas.
Pobreza
"A monocultura da
cana-de-açúcar é a que transmite os valores atuais do capitalismo agrário
paulista através da expansão indiscriminada de todo o seu aparato", afirma
Cubas, ressaltando que essa pressão tem obrigado assentados a arrendarem seus
lotes para o plantio da cana e alugaram sua força de trabalho para o corte nas
fazendas.
A assentada da Comuna da Terra
Mario Lago, localizada no município de Ribeirão Preto, e integrante da Direção
Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Kelli Mafort,
diz que é possível acompanhar o desenvolvimento da pobreza gerada pela cultura
da cana-de-açúcar na região. Segundo ela, muitos acampados e trabalhadores
rurais trabalham no corte por falta de outra oportunidade de emprego. "Não
só eles, mas muitas famílias assentadas também trazem uma amarga relação com a
cana pois carregam até hoje graves problemas de saúde devido ao trabalho
exaustivo na atividade".
Já o acampamento Alexandra Kollontai,
localizado no munícipio de Serrana, conta com trabalhadores do corte de cana
que se queixam dos poucos postos de trabalho, cada vez mais raros em razão do
incentivo à mecanização. Segundo Mafort, o acampamento tem famílias há quase
cinco anos acampadas e a paralisia da política de criação de novos
assentamentos também contribui para o aumento da pobreza.
Nas mãos de poucos
A pesquisa São Paulo Agrário
mostrou ainda que o agronegócio no interior do estado está afetando a
concentração de renda e de terra entre a população. Tiago Cubas aponta que a
renda apropriada pelos 10% mais ricos vem aumentando nas regiões do Pontal do
Paranapanema e da Alta Mogiana, nas quais há o crescimento intenso do
agronegócio sucroalcooleiro. "Em 1991 eram 23% dos municípios do estado
que tinham a apropriação de 40 a 44% da renda do município para os 10% mais
ricos. Esse número chega em 2010, com a mesma amplitude de concentração, em
quase 30% dos municípios", destaca.
E não é somente a renda, a
concentração fundiária também cresceu. De acordo com dados do Censo
Agropecuário do IBGE, em 1995, as propriedades acima de 200 hectares
contabilizavam 61% (10.659.891 hectares) do total, enquanto as propriedades
igual ou abaixo de 200 hectares chegavam a 39% (6.709.313 hectares). Já em
2006, as propriedades acima de 200 hectares já eram 71% (14.332.546 hectares)
do total, ao passo que as propriedades igual ou abaixo de 200 hectares eram 29%
(5.840.727 hectares).
Uma das áreas mais desiguais do
estado de São Paulo em relação à concentração de renda e terra é o Pontal do
Paranapanema. O drama é grande entre as famílias acampadas na região, em torno
de 2 mil que esperam ansiosamente por serem assentadas. De acordo com o
assentado e integrante da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), Delwek Mateus, apesar de farta oferta de terras
devolutas, não há sinalização do avanço da reforma agrária. "No Pontal há
grande quantidade de terras públicas de responsabilidade do governo do estado,
mas griladas por latifundiários. E o governo estadual, ao invés de transformar
essas áreas em assentamentos da reforma agrária, quer regularizar as
grilagens", explica Mateus, em referência ao projeto de lei 687/2011
apresentado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), que legaliza terras
griladas no Pontal.
O setor canavieiro no Pontal
cresce em extensão e na implantação de usinas para a produção de etanol e
açúcar. A falta de oferta de outro tipo de emprego na zona rural também obriga
acampados e assentados a viverem da atividade. Segundo Mateus, o agronegócio
traz pobreza principalmente para as cidades pequenas que dependem do trabalho
no campo. "Cada vez que aumenta a mecanização no campo, há a perda de
postos de trabalho. Com diminuição dos postos de trabalho, consequentemente há aumento
da oferta de mão-de-obra, o que acarreta na diminuição dos salários e exige uma
maior produtividade para que o trabalhador tenha um preço digno. Todo esse
conjunto de fatores leva a um processo de empobrecimento da população",
argumenta o assentado.
Para Mateus e Cubas, a reforma
agrária é uma saída para acabar com a pobreza no campo brasileiro. Mas a julgar
pelos investimentos, os governos ainda não enxergam a situação dessa forma. Um
exemplo disso é a destinação de recursos diferenciados para a agricultura
familiar e para o agronegócio. Enquanto o Plano Safra do Agricultor Familiar de
2011/12 recebeu um investimento total de R$ 16,2 bilhões, o Plano Agrícola da
Agricultura e da Pecuária de 2011/12 conquistou R$ 107,21 bilhões, 7,2% a mais
em relação ao valor dos recursos do plano passado.
A postura "natural" de
criminalizar
Durante os últimos três anos,
Tiago Cubas também analisou a cobertura impressa sobre as ocupações,
assentamentos e outras manifestações de luta pela reforma agrária no estado de São
Paulo. Foram estudados mais de 30 mil recortes dos periódicos O Estado de S.
Paulo e Folha de S. Paulo, de repercussão nacional, e O Imparcial e Oeste
Notícia, com abrangência na região de Presidente Prudente. Uma das conclusões
do pesquisador é que a mídia corporativa totaliza a visão das relações
capitalistas no campo, estereotipa e não aceita sujeitos e modos de produção
alternativos.
O quadro que encontrou é
desolador do ponto de vista do acesso à informação sobre as causas dos
movimentos sociais. Cubas mostra que notícias e artigos promovem interpretações
binárias, nas quais ruralistas são comumente tratados como vítimas e camponeses
como assaltantes. Enquanto a luta pela terra é identificada como ação contra a
ordem estabelecida, o agronegócio é mostrado pela ótica do progresso,
modernização e tecnologia. Não há nuances nem explicações mais profundas
capazes de explicar a existência de dois projetos distintos para o
desenvolvimento do campo.
Para Cubas, a formação de uma
opinião pública desfavorável aos sem-terra contribui para diminuir o estímulo à
elaboração e à implantação de planos e programas de reforma agrária no estado.
Nada diferente do esperado de uma imprensa que tem fortes ligações políticas e
econômicas com o setor industrial do campo. O jornal Oeste Notícias, por
exemplo, pertence é coordenado por Paulo Lima, proprietário da TV Fronteira
filiada à Rede Globo e filho de Agripino Lima, ex-prefeito de Presidente
Prudente e latifundiário ligado a UDR (União Democrática Ruralista). Já O Imparcial
tem como proprietários Mário Peretti, Adelmo Vaballi e Deodato Silva que,
segundo Cubas, fazem parte da elite histórica de Presidente Prudente. "Em
nossas análises, esses dois jornais regionais mostram uma íntima ligação entre
os seus proprietários e o conteúdo das notícias que revelaram uma memória
histórica dos dominadores", afirma o pesquisador. Já O Estado de S. Paulo
e Folha de S. Paulo são historicamente reconhecidos pela defesa dos interesses
do setor ruralista.
O orientador de Cubas no
mestrado, Cliff Welch, acentua que os jornais da grande imprensa contribuem
para o processo de aperfeiçoamento do capitalismo industrial no controle sobre
a terra. "A partir do final do século 19, podemos documentar o curso
paralelo do jornal O Estado de S. Paulo, o então Província de S. Paulo, com a
cobertura de Euclides da Cunha das múltiplas campanhas de repressão do arraial
de Canudos. Hoje em dia, quando o Estadão apoia a repressão e a criminalização
dos sem terra, está tomando uma postura 'natural' da perspectiva da burguesia,
para qual a predominância do reino da lei é crucial para manter a ordem dos
forasteiros e o progresso (da burguesia)", ressalta Welch, que é
integrante da pós-graduação da Cátedra da Unesco para Educação do Campo e
Desenvolvimento Territorial.
Fonte: Diário da Liberdade
http://www.diarioliberdade.org/brasil/consumo-e-meio-natural/34116-pobreza,-produto-do-agroneg%C3%B3cio.html
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