O esquema privatista do PT com o intuito de desenvolvimento do capitalismo brasileiro é bastante claro, e seu sucesso (que tem benefícios privados, óbvio) garante a continuidade do partido no poder. Aliás, há tempos que a continuidade do PT no governo deixou de ser uma tática política para o partido e virou a finalidade, em que todas as ações visam esse objetivo. Em certa medida tal modelo é ainda mais benéfico aos interesses privados do que a prática neoliberal do seu rival, PSDB, porque se este almeja transferir totalmente o patrimônio público para mãos particulares, o PT permite que empresas privadas utilizem recursos humanos e materiais sustentados com dinheiro público, e garante de antemão os lucros para tais empresas: é um capitalismo sem risco e altamente lucrativo. Podemos encontrar esse modelo nos aeroportos, estradas, ferrovias, portos, construção civil e também na Universidade.
Neste último caso, vemos uma série de medidas que, observadas em conjunto, revelam a lógica do modelo petista. Indo além da transferência direta de recursos para entidades privadas, como é o caso do PROUNI e do FIES, pode-se observar várias medidas que apontam na direção do controle privado de recursos humanos e utilização de infraestrutura pública. De modo geral, observa-se que o governo reduz os gastos públicos na área de educação (http://www.andes.org.br:8080/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=5166) e permite que a Universidade vá buscar fundos no meio privado. Obviamente esses fundos exigem algum retorno, que na maioria das vezes se dá através de realização de pesquisa de ponta para as empresas investidoras, ou da transferência de mão de obra qualificada para essas entidades. Para dar um exemplo prático de como isso funciona, basta analisar o que a Lei de Inovação Tecnológica permite na relação dos cursos de informática das IFES com empresas privadas (note o caso do Centro de Informática da UFPE: http://www2.cin.ufpe.br/site/secao.php?s=5&c=58).
A pauta do momento em relação a essa temática é a criação da EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) para tentar mudar a gestão dos HU's (Hospitais Universitários). Para entender essa situação é preciso olhar para a história do SUS. Aceito pela Constituição Federal em 1988, o Sistema Único de Saúde representava uma vitória para militantes do campo da saúde, sendo uma tentativa de criar um sistema único de saúde, estatal, vinculado à interesses populares e de boa qualidade. Porém, com brechas em sua formulação legal (que abria possibilidade para a existência de instituições privadas na área da saúde) e com a ideologia neoliberal, na época representado principalmente pelo PSDB, afirmando que o Estado deveria se ausentar ao máximo de investimentos em questões sociais, o SUS foi sucateado. Como os HU's fazem parte do SUS, tais hospitais também sofreram com os cortes de verbas por parte do Estado. Situação que transcendeu a gestão peessedebista, também sendo uma característica do governo do PT.
Resultado dessa situação de abandono, os HU's se endividaram ao contratar profissionais terceirizados por impossibilidade de abrir concursos públicos, situação que o Tribunal de Contas de União declarou irregular em 2006 (início do segundo mandato do governo Lula), dando uma margem de quatro anos para regularizar a situação. Passado esse tempo sem nenhuma ação, o governo cria em 2010 a EBSERH. Empresa pública, porém de direito privado (ou seja, a gestão segue um modelo privado), o PT volta aplicar o sistema explicado acima: há corte no dinheiro de origem pública e estímulo para que a EBSERH busque financiamento privado. Como consequência temos, de forma geral, problemas semelhantes aos indicados nas situações expostas anteriormente. Observemo-los agora com mais especificidade.
Inicialmente, o sentido por trás dessa ação aponta para um entendimento por parte de governo de que o problema da má qualidade da saúde pública é questão de gestão, e não de falta de investimentos. Claro que é necessário uma gestão mais qualificada, contudo passar decisões de interesse público para uma lógica mercadológica com certeza não resolve o problema, ainda mais diminuindo o financiamento estatal. A combinação desses dois fatores indica um controle privado dos Hospitais Universitários, negando o princípio do SUS de controle social.
A Universidade se pauta basicamente em três pontos, que se desdobram também aos HU's: ensino, pesquisa e extensão. Comecemos por esta última, a extensão. Os HU's realizam um trabalho comunitário oferecendo procedimentos médicos complexos à população pobre, procedimentos estes que não são realizados na maioria das instituições públicas de saúde. A EBSERH, gerida de forma mercadológica, impõe uma forma de trabalho através de metas, produtivista, privilegiando a quantidade em detrimento da qualidade do serviço. Além disso, e pior, a lei que cria a empresa possibilita o atendimento de pacientes provindos de planos de saúde, com finalidade de gerar lucro. Assim, a tendência é haver espaços nos HU's reservados apenas para esses pacientes, destinando portanto patrimônio físico e recurso humano públicos para fins privados, ocasionando uma diferença de atendimento em relação a quem utiliza o serviço gratuito e diminuindo o número de leitos para esse público.
O ensino sofre igualmente com a implantação da EBSERH. Como o quadro profissional da empresa vai ser desvinculado da Universidade, pois os profissionais vão ser empregados da EBSERH e não da instituição federal (inclusive sem concurso público, o contrato será o mesmo feito em empresas privadas via CLT, causando o deterioramento das condições de trabalho), os alunos de saúde em estágio vão estar em contato com profissionais despreparados para o ensino, interessados em cumprir suas metas trabalhistas. Também a gestão da EBSERH vai ter pouca relação com a Universidade, e consequentemente seus interesses vão divergir em relação ao ensino: para um hospital que funciona na lógica do mercado, a atividade de ensino representa uma mudança de foco do que é o essencial, a saber, o atendimento a grande quantidade de pacientes. Por fim, assim como na Lei de Inovação Tecnológica, as pesquisas serão feitas por encomenda pelo setor privado, utilizando os pesquisadores, alunos e tecnologia da Universidade sustentados com dinheiro público.
Para ser implantado em cada Universidade, a EBSERH precisa ser aceita pelo Conselho Universitário local. Em alguns estados do Brasil tal entidade já foi aceita, em outros ela foi negada. É necessário uma grande mobilização estudantil e sindical (professores e técnicos) para barrar a EBSERH e, assim, forçar o governo a tomar outra atitude para resolver os problemas dos HU's. Atitudes que estão na esfera da prioridade com a saúde por parte de Estado, que se traduz inclusive com grande financiamento público, controle social dos HU's, manter relação entre estes e a Universidade e melhoria na gestão que potencialize suas atividades: ensino, pesquisa e extensão. A privatização da gestão dos HU's representa um retrocesso do que foi conquistado pelos militantes que estão defendendo desde 1988 o SUS.
Por Lucas Mesquita - Militante da UJC-PE
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