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quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

O legado político-administrativo de Eduardo Campos (parte I): guerra fiscal e privatização do orçamento público.

Esse ano ficará marcado na política nacional. Foi a primeira vez em nossa história que um candidato a presidente morreu de maneira trágica poucos dias antes do início do processo eleitoral. Eduardo Campos tornou-se quase um mito em Pernambuco. Sua gestão é mostrada como moderna, eficiente, arrojada, transparente e democrática. Ele mesmo gostava de passar esse perfil. Eleito o melhor governador do Brasil, ganhador de prêmios internacionais; criticar seu governo era tarefa árdua. Tanto que temos poucos nomes no cenário político e intelectual pernambucano que se dispõe a isso. Pretendo produzir uma série de textos debatendo o legado político-administrativo da Era Eduardo Campos, focando em vários temas. O primeiro será a guerra fiscal e a privatização do orçamento público. Veremos se a propaganda da administração moderna e eficiente corresponde à realidade.


Reprodução
Eduardo Campos prometeu combater a política de guerra fiscal. Guerra fiscal acontece quando os estados da federação procuram reduzir impostos e dar vantagens para empresas se instalarem em seu estado e não em outro. Campos dizia que esse tipo de política acaba com o federalismo, prejudica a democracia e era uma irresponsabilidade com o orçamento público. Prometeu não só ser contra à guerra fiscal, como liderar um movimento nacional pela reforma tributária para acabar com essa prática. Depois de eleito a coisa mudou. 

O governador praticou uma política altamente agressiva de guerra fiscal. O principal imposto estadual, o ICMS, foi desonerado para várias empresas, principalmente as que vinham para o Porto de Suape – a maior vitrine da Era Eduardiana. Mas o governo Campos não se contentou em isentar empresas de impostos, o Governo também doou o terrenos, fazia a terraplanagem, reordenava a malha viária, propiciava licença de poluição e criava escolas técnicas só para atender as empresas. Heitor Scalambrini Costa, professor da UFPE e um dos poucos críticos do Governo de Eduardo, descreve bem essa política:

Nesta guerra com outros estados pela conquista de empreendimentos, é corriqueiro realizar renúncias tributárias, financeiras e creditícias, sem que a sociedade pernambucana se dê conta do montante do comprometimento das receitas futuras. É comum também oferecer como contrapartida a um empreendimento, a realização das obras de terraplanagem ou de acesso viário. Para contornar as exigências do serviço público, como a elaboração de projeto básico e executivo e licitações, o Estado acaba financiando a obra, sem a cobrança de juros. A criação do Proinfra em 2011 prevê a concessão de descontos no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e funciona de maneira cumulativa com outros incentivos. [1]

Evidentemente que esse tipo de gestão do orçamento público torna-o privado. Ao colocar toda máquina pública a serviço de empreendimentos privados, sem qualquer estudo das conseqüências futuras e sem deixar claro qual o ganho social disso, temos um Estado como um “comitê executivo para os negócios da burguesia” (na clássica definição do Estado capitalista dada por Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista). Contudo, as conseqüências futuras não demoram a aparecer.

Pernambuco teve durante os últimos anos uma média de crescimento econômico maior que o Brasil. Muito desse crescimento veio dos gigantescos investimentos do Governo Federal no estado [2] e do acompanhamento do próprio ciclo de crescimento nacional. Em momentos de forte crescimento econômico é esperado que a arrecadação tributária do estado cresça. Não só é o esperado, como é o ideal. Com a criação de reservas fortes em épocas de expansão econômica, nos momentos de menor ritmo de crescimento o Estado poderia agir como grande investidor e incentivar a atividade econômica evitando crises. Para termos uma ideia, em 2012 o PIB brasileiro cresceu 0,9%, o de Pernambuco 2,2% e em 20011, o Brasil ficou com 2,7% e Pernambuco com 4,5% [3]. Uma gestão eficiente, moderna e responsável estaria com uma máquina pública sem dívida, com reservas sobrando em caixa e tendo uma forte capacidade de investimentos.

Mas em Pernambuco, a gestão moderna da Era Eduardiana é sinônimo de dividas, irresponsabilidade fiscal, privatização do orçamento público e governo para os empresários. Uma matéria do G1 mostra que Pernambuco tem uma dívida de oito bilhões acumulada [4]. Isso mesmo: oito bilhões. Do ponto de vista racional, é inexplicável como um Estado como fortes índices de crescimento econômico por anos seguidos consegue acumular essa dívida. O governador em exercício, João Lyra Neto, afirma que essas dívidas foram contraídas investindo em educação e segurança. É notório que Pernambuco tem uma das piores educações básicas do país, o déficit de creches é assustador e a situação dos presídios é caótica [5]. O que o governador não quer dizer, na verdade, é que esse rombo fiscal foi contraído através de uma política criminosa de desoneração fiscal, fazendo com que o Estado perca em arrecadação. Esse quadro dramático fica mais claro quando o Governo Federal, depois do rompimento de Eduardo Campos com Dilma, reduziu os repasses astronômicos para o estado.

O final do enredo sabemos bem: ano que vem o governo de Paulo Câmara afirmará que por dificuldades nas contas públicas será necessário congelar o salários dos funcionários públicos, reduzir gastos sociais e demitir trabalhadores. É lógico que rever a política de desonerações fiscais não está nos planos do continuador da Era Eduardiana – sem Eduardo em corpo presente, mas visível em todas as propagandas do grupo político. Eduardo Campos era tão fanático por desonerações fiscal que um dos últimos atos do seu governo, foi reduzir os impostos para empresas de energia e combustível.

Enfim, o resumo da ópera é que na política administrativa o governo Eduardo Campos fortaleceu a guerra fiscal, usou de uma política criminosa de desonerações fiscais, realocava toda máquina pública para atender a interesses privados, usava uma política de desonerações sem contrapartidas, sem transparência, sem consulta democrática e sem o mínimo estudo dos impactos dessas medidas. O resultado é uma dívida de oito bilhões e um governo prostrado frente aos empresários – os verdadeiros donos do orçamento público.


Por Jones Makaveli, graduando em História pela UFPE, pesquisador do NEEPD e militante da UJC.

Notas

[1] -http://www.viomundo.com.br/politica/heitor-costa-o-modo-socialista-de-governar-pernambuco.html

[Esse é um texto para a seção Crônicas Vermelhas, onde os militantes da UJC/PE opinam, comentam, debatem sobre diversos temas. Para acessar o conteúdo Crônicas Vermelhas basta acessar no "arquivo do blog por temática" a temática Crônicas Vermelhas, ir na página formação ou destaques, ou clicando no marcador dessa postagem.]

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