"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

sábado, 23 de outubro de 2010

Diga NÃO ao Serra!


DIGA NÃO AO SERRA!
Por Alcides Campelo A. Junior*
Diga NÃO ao José Serra, aos "demotucanos", ao projeto pró-imperialista no mundo e na américa latina, às criminalizações dos movimentos sociais e da pobreza, ao neofascismo, ao conservadorismo reacionário, a demagogia exarcebada, as farras das privatizações.

Votar contra tudo isso, nesse momento, é votar em Dilma Roussef (PT-13), porém, sem ilusões que essa candidata, seu partido, e sua coligação irá fazer mudanças profundas, na realidade do país, trata-se, portanto, de um voto crítico. Além do mais, as duas gestões de Lula, em certa parte, também teve características anti-classe trabalhadora, vide a Reforma da Previdência. Cabe ressaltar, também, sua política econômica neoliberal. O Partido dos Trabalhadores (PT) se envolveu em vários escândalos de corrupção, partido este que alegava ser o "baluarte da ética", para manter-se na governabilidade se aliou, inclusive com Collor, Sarney e cia.

Votar contra Serra, alega-se votar nulo ou, quem sabe, um voto crítico em Dilma. Apesar de respeitar os argumentos dos que defendem o voto nulo, deve-se entender que nesse momento não são dois projetos antagônicos que estão em disputa (como querem sustentar os petistas), mas sim duas propostas diferenciadas de um mesmo projeto.


De um lado uma política desenvolvimentista, com forte apoio popular e de uma fração capitalista, mantêm-se numa posição de
relativo respeito às soberanias dos povos nos países progressistas da américa latina, mas muito mais para estabelecer relações comerciais do que uma integração social, política, econômica e de caráter anti-imperialista. Prima-se pela continuidade. Continuidade de um governo social-liberal. Em que se pese as críticas (e são muitas), deve-se reconhecer alguns avanços desse governo, principalmente, na área social., vide o PNDH3, respeito às minorias, dentre outras. Contudo, é justamente no social e na política externa em que se sustenta a tese de que esse governo (Lula-2003 a 2010) seria, no mínimo, social-democrata, ou para os mais "otimistas" um governo democrático-popular (no campo tático) rumo ao socialismo (no campo estratégico). Na verdade, trata-se de mascarar que esse governo não tem nada de projeto pró-socialismo, seu verdadeiro caráter é nacional-desenvolvimentista com uma política econômica neoliberal e com uma relativa atenção as demandas sociais. Governo este que apresenta aliança com setores da burguesia, tendo respaldo das maiores centrais sindicais, em que o principal lider (Lula) prega clara aliança de classes, vide a "carta ao povo brasileiro" de 2002 (na ocasião das eleições daquele ano).

De outro, uma política onde tem um porta-voz José Serra, militante do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que quer ressaltar seu suposto caráter popular por ter feito movimento estudantil quando universitário (chegando, inclusive, a ser presidente da UNE em 1963), e, tabém, sua origem humilde - Não é a posição social que faz da pessoa ser ou não progressista ou conservador, revolucionário ou reacionário, e sim seu direcionamento e prática política, ou seja, sua consciência de classe. Serra está ligado a partidos, organizações e personalidades políticas as mais conservadoras, reacionárias e atrasadas, a burgesia mais "anti-popular". Nessas eleições está tentando demonstrar ser estatista, popular, defensor dos interesses do povo brasileiro e dos mais pobres, da ética e da vida. Com isso, faz uma campanha altamente despolitizada, procurando desviar atenção de pautas importantes para questões meramente de trajetória pessoal na vida pública (o mais "experiente") e de ser ou não defensor da vida e da ética, onde se recorre a questão do aborto e das irregularidades políticas, leia-se escândalos de corrupção, como se seu partido e aliados estivessem isentos de tais fatos, vide o caso Roriz (do DEM, principal partido aliado do PSDB). Além desses fatos, se esquiva das privatizações ocorridas no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995/1998,1999/2002), no qual Serra foi um dos principais articuladores das privatizações. Ele herda não só o atraso desse governo, do qual fez parte tanto como Ministro do Planejamento (1995-1996), quanto Ministro da Saúde (1998-2002), mas também o atraso de estar intrínsecamente ligado ao setor mais conservador desse país.

Deu para se perceber que há muitas aproximações entre tucanos e petistas, mas há pequenas grandes diferenças. Diferenças essas que fizeram o Partido Comunista Brasileiro (PCB) ressaltar (partido este em que sou militante). Fazendo uma análise coerente, crítica, materialista, histórica e dialética, de acordo com o legado marxista, compreendendo, assim, que é preciso derrotar Serra nas urnas e depois Dilma nas ruas.

Dessa forma, somos oposição a ambas candidaturas e eventuais governos, sem nenhuma ligação a essas campanhas com a clareza de que "A candidatura Dilma move-se numa trajetória conservadora, muito mais preocupada em conciliar com o atraso e consolidar seus apoios no campo burguês do que em promover qualquer alteração de rumo favorável às demandas dos trabalhadores e dos movimentos populares." e que "Contra ela, apesar disso, a direita se move animada pela possibilidade de vitória no segundo turno, agitando bandeiras retrógradas, acenando para uma maior submissão aos interesses dos EUA e ameaçando criminalizar ainda mais as lutas sociais". (Nota Política PCB sobre o segundo turno das eleições 2010)


Como afirmam Marx & Engels no Manifesto do Partido Comunista: "Pela forma e não pelo conteúdo, a luta do proletariado contra a burguesia é, em primeiro lugar, nacional. Evidentemente, o proletariado de cada país deve acertar as contas com a sua própria burguesia". Assim sendo, devemos ter claro quem é nosso principal adversário nesse momento político do país, o primeiro passo é dar um NÃO ao setor mais conservador nas urnas, isso implica em votar criticamente em Dilma, e depois derrotar com muita mobilização e articulação política todo e qualquer setor que represente os interesses do capital. Diante de que ambas as candidaturas representam em maior ou menor grau esses interesses faz-se necessário derrotar, também, Dilma nas ruas. O voto nulo, apesar de ter boas argumentações a seu favor, pode ser perigoso à classe trabalhadora, pois pode favorecer indiretamente a candidatura mais retrógada (a de Serra), afinal, quem postula o voto nulo, em sua maioria, são setores anti-capitalista da sociedade, isso faz com que um número de votos consideráveis que poderiam sinalizar o voto contra a direita mais reacionária não sejam contabilizados como votos "válidos" e contribua indiretamente para a candidatura Serra - que é unanimidade entre a esquerda (socialista, social-democrata ou anarquista) ser a mais prejudicial à classe trabalhadora.
Em suma, não se trata, portanto, de apenas dizer não a pessoa José Serra, mas sim tudo o que há de mais retrógado em torno de sua candidatura, bem como, não se trata de se aliar ou apoiar a candidatura e um eventual governo de Dilma Rousseff, se trata de dizer não as bases de apoio do capitalismo e do imperialismo, contudo, sem cair em esquerdismo infantil de que tanto faz entre um projeto capitalista notadamente neoliberal em sua face mais perversa ou entre um projeto, também capitalista, com caracterítia social-liberal e menos truculento à classe trabalhadora.
De fato, nenhuma dessas candidaturas atende aos anseios dos trabalhadores na sua totalidade, e só com uma revolução, alterando as bases da estrutura da sociedade capitalista, é que alcaçaremos a emancipação da classe trabalhadora. Por isso afirmo, assim como a nota política do PCB, que "chega de ilusão, o Brasil só muda com revolução!". Nesse sentido, deixa-se claro que nenhuma das duas candidaturas transformará essa sociedade, mas nesse momento precisa-se ter uma visão tática aliada a estratégica e não suprimindo o ponto tático. É melhor ter como situação um governo mais próximo dos valores democráticos e com boas relações com os governos progressistas da América Latina, do que ter um onde se corte relações com esses governos, seja completamente subserviente aos EUA e seja contra aos movimentos sociais.
Pode-se perceber, então, que não se trata de uma vitória da classe trabalhadora a vitória das eleições nem por Dilma nem por Serra, mas trata-se de uma derrota considerável à classe trabalhadora (não apenas brasileira mais da América latina) a vitória dos setores mais reacionários ligados à Serra nessas eleições. E cabe deixar claro, também, que todas as conquistas de direitos à classe trabalhadora foram frutos de muita mobilização, e assim continuará sendo. Por isso, idenpendente da candidatura que saia vencedora, a classe trabalhadora tem que ter claro que só com muita luta que se conseguirá conquistas, e deve ter em mente, também, que não há como humanizar o capitalismo e que é falácia o dito "Estado social de direitos" dentro do sistema capitalista. Assim sendo, está na ordem do dia à luta pelo socialismo, sem cair no que Camilo Moreno alerta: "Os setores da esquerda que pretendem reeditar hoje, inclusive com linguagem marxista, as velhas ilusões reformistas do passado, ou aqueles que fazem um chamado ao 'realismo', ou a construir um 'capitalismo nacional', abandonam na prática o projeto estratégico da revolução a longo prazo e terminam, em última instância, sendo funcionais à reconstrução da hegemonia capitalista." (Texto: América Latina e os desafios da esquerda revolucionária. Para: o rebelion)
"Para nós não se trata de reformar a propriedade privada, mas de aboli-la; não se trata de disfarçar os antagonismo de classe, mas de abolir as classes; não se trata de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma nova [...] Nosso grito de guerra será sempre: a revolução permanente!" (Marx, K. Mensagem à Liga Comunista, 1850)
*Alcides Campelo A. Junior é militante do PCB e direção estadual da UJC
em Pernambuco.

Adeus Social-democracia, olá esquerda anti-capitalista

Por: Teodoro Santana(*)

A queda da social-democracia em toda a Europa não obedece a uma melhor ou pior gestão de seus líderes. Pelo contrario, deve-se a uma implacável necessidade histórica. Aliás, ao desaparecimento do papel histórico da social-democracia.

Os partidos chamados "socialistas" representaram as políticas do "Estado do bem-estar", de fazer dos trabalhadores dos países imperialistas partícipes das migalhas dos fabulosos benefícios saqueados do Terceiro Mundo, na forma de salários mais altos, concessões sociais e certo nível de vida. De modo que estas políticas social-democratas criavam um colchão que amortizavam a luta de classes e estabeleciam um "cordão sanitário" diante do "comunismo" que representava a URSS e os países socialistas da Europa do Leste.

A imensa maioria dos trabalhadores europeus associou, dessa forma, sua vida relativamente cômoda com a social-democracia, que falava sempre em seu nome (e até, como no caso espanhol, com seu nome) diante das políticas abertamente antitrabalhistas dos partidos de direita.

Mas dois acontecimentos históricos vieram transformar radicalmente a situação. Por um lado, a queda do socialismo soviético, tornando desnecessário esse "colchão" diante do "perigo do Leste". Não em vão, a queda da URSS abriu caminho às políticas de extrema direita capitalista (o chamado "neoliberalismo"), encabeçadas por Reagan, nos Estados Unidos e Tatcher, no Reino Unido.

Por outro lado, a crise de agonia do capitalismo, principalmente nas grandes potências imperialistas, era incapaz de gerar os inúmeros volumes de capital necessários para sustentar sua acelerada carreira a lugar nenhum. Já não sobram nem as migalhas que iam parar nas mãos da classe trabalhadora. Trata-se de raspar o caldeirão para juntar até as raspas. E isso significa diminuir salários, reduzir pensões, baratear demissões e liquidar qualquer resistência operária, incluindo a dos sindicatos mais reformistas. Isto é, a luta de classes escancarada e hostil.

O dilema para os partidos "socialistas" é: persistir nas políticas do "estado do bem-estar", com o risco de serem varridos por um sopro pelas oligarquias capitalistas que os apoiaram e até financiaram quando lhes interessava sua existência, ou adotar as políticas da direita capitalista "pelo bem da classe operária". O primeiro, não apenas, não vão deixá-lo fazer (e nem lhes passa pela cabeça radicalizar-se nem fazer políticas verdadeiramente socialistas); e o segundo supõe perder cada vez mais o apoio da imensa maioria das trabalhadoras e dos trabalhadores, e não ganhar nada no espaço da direita.

O fato de o colapso da social-democracia não ser absoluto e rápido, é devido à confiança que alguns setores ainda mantêm de voltar aos "bons velhos tempos", associados à social-democracia. E, evidentemente, ao temor de que os partidos de direita façam igual ou pior. À medida que a fantasia da "recuperação econômica" vai se evaporando, vai ocorrendo o mesmo com relação ao apoio aos partidos "socialistas".

Inclusive, dentro da social-democracia, vão aparecendo correntes que resistirão a este desvio direitista e suicida, e cujo acontecer dependerá muito das particularidades destes partidos em cada país. É previsível, em todo caso, a aparição de correntes de esquerda e fortes contradições internas.

Neste cenário, é dramática a divisão e a dispersão da esquerda anticapitalista, fator que não aparece na equação e que, caso aparecesse, aproveitaria uma oportunidade histórica única para mudar o curso dos acontecimentos. A unidade de todas as forças da esquerda – comunistas, socialistas revolucionárias, sindicatos - em torno de um programa anti-imperilista é, portanto, urgente e inadiável.

Boicotar este processo, bombardeá-lo com as velhas inércias de protagonismos baratos e mesquinhez, sempre reprovados, converte-se em uma atitude verdadeiramente criminosa em um momento em que temos a possibilidade de abrir caminho ao futuro, à esquerda anticapitalista, ao socialismo.

(*) Teodoro Santana é membro do Comitê Central do Partido Revolucionario de los Comunistas de Canarias (PRCC)

Tradução: Valeria Lima

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Serra assume agenda do fascismo social que ameaça Europa


Serra assume agenda do fascismo social que ameaça Europa

Alguém poderá considerar um exagero associar a candidatura de José Serra a uma agenda de cunho fascista. Mas os fatos e as suas escolhas recentes falam por si. E não param de falar. A cada dia ficam mais eloqüentes e preocupantes. A guinada ultra-conservadora e fundamentalista de Serra não é um fato isolado, ecoando movimentos que estão ocorrendo nos Estados Unidos e na Europa. No continente europeu, a face econômica dessa ofensiva conservadora é a destruição do Estado Social e a supressão de direitos, motivo dos protestos que estão sacudindo a França neste momento. Enquanto isso, aqui no Brasil, o candidato tucano associa-se ao que há de mais conservador e reacionário no país.

As eleições presidenciais brasileiras, ao contrário do que sugere a indigente imprensa brasileira, não ocorrem em uma ilha isolada do mundo. A guinada ultra-conservadora e fundamentalista adotada pelo outrora desenvolvimentista José Serra não é, tampouco, um fato isolado. Neste momento, milhares de pessoas na Europa, após serem vítimas de uma grave crise provocada pelos ideólogos do Estado mínimo e da supremacia dos mercados financeiros, saem às ruas em protesto. Estão protestando contra o quê mesmo? Contra as faturas que estão sendo depositadas em suas mesas para que paguem pelo estrago feito por bancos, especuladores e uma ampla gama de delinqüentes financeiros. O Brasil só não está imerso nesta crise porque os representantes da delinqüência financeira foram apeados do poder.

Em um artigo intitulado “A ditamole” (ler nesta página), o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos fala sobre a grave crise que atinge seu país, um dos elos fracos do capitalismo europeu. “Se nada fizermos para corrigir o curso das coisas, dentro de alguns anos se dirá que a sociedade portuguesa viveu, entre o final do século XX e começo do século XXI, um luminoso, mas breve, interregno democrático”. Portugal corre o risco, adverte Boaventura, de entrar, a partir de 2010, em um “outro período de ditadura civil, desta vez internacionalista e despersonalizada, conduzida por uma entidade abstrata chamada mercado”. Esse regime preserva uma fachada democrática, mas reduz ao mínimo as opções ideológicas, instaurando uma espécie de fascismo social onde a solidariedade e a democracia passam a ser valores sob constante ameaça.

Ele cita dois sinais preocupantes da emergência desse regime autoritário em seu país. Em primeiro lugar, a desigualdade social está aumentando no país que já é apontado como um dos mais desiguais da Europa. Entre 2006 e 2009, aumentou em aproximadamente 38,5% o número de trabalhadores que recebem o salário mínimo (450 euros), abrangendo cerca de 15% da população ativa (804 mil trabalhadores). Por outro lado, em 2008, o pequeno grupo de cidadãos mais ricos (4051 pessoas) tinha um rendimento semelhante ao de um vastíssimo número de cidadãos mais pobres (634 mil pessoas). “Se é verdade que as democracias européias valem o que valem as suas classes médias, a democracia portuguesa pode estar cometendo suicídio”, assinala Boaventura.

Um suicídio assistido pelos grandes meios de comunicação portugueses que – oh!, que surpresa – pensam lá o mesmo que pensam aqui. O uso do verbo “pensar” é um pouco demasiado aqui, uma vez que o que a chamada grande imprensa faz, já há algum tempo, é defender os interesses econômicos dos grupos empresariais disfarçados de jornais, rádios, televisões e portais de internet. Lá como aqui repetem o mesmo mantra: é preciso cortar gastos públicos e abater o Estado social. O dinheiro gasto hoje com políticas sociais deve ser drenado para tapar o rombo e os roubos praticados pelo sistema financeiro internacional e seus agentes. É disso que se trata, é esse o sentido da candidatura de José Serra no Brasil e é por isso que ela trava uma “guerra religiosa”, com o apoio de seus múltiplos braços midiáticos, para voltar ao poder.

Serra usa jornalista acusado de apologia ao crime para atacar Dilma

Alguém poderá considerar um exagero associar a candidatura de José Serra a uma agenda fascista. Mas os fatos e as suas escolhas recentes falam por si. E não param de falar. A cada dia ficam mais eloqüentes e preocupantes. O candidato tucano vem patrocinando uma campanha torpe contra sua adversária Dilma Rousseff. As acusações não fazem parte das divergências programáticas e teóricas entre os partidos de ambos, PSDB e PT. Nada disso. A pauta gira em torno de questões religiosas, aborto, homossexualismo, terrorismo e por aí vai. Não é por acaso que Serra decidiu utilizar em seu programa o jornalista gaúcho Políbio Braga, um fundamentalista de mercado, conhecido por suas posições polêmicas e muitas vezes raivosas contra tudo o que tenha a mais longínqua aparência de esquerda.

Defensor entusiasmado da governadora Yeda Crusius na imprensa gaúcha, Políbio Braga é alvo de uma ação penal movida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. A acusação: apologia ao crime. Em um texto publicado em seu blog, o jornalista elogiou do seguinte modo a contratação de 3,2 mil policiais pelo governo estadual:

“O que estava faltando era isto que ocorreu agora: matar, prender e mostrar a força aos bandidos do Rio Grande do Sul”.

Em maio deste ano, envolveu-se em uma polêmica com alunos e dirigentes da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) – uma instituição administrada pelos jesuítas. O jornalista criticou um debate com integrantes do MST, promovido pela universidade, e acabou dizendo que “os alunos da Unisinos costumam ser meio analfabetos”. Políbio Braga está movendo ainda uma série de ações judiciais contra integrantes do site Nova Corja, que acabou fechando as portas em função desses processos.

As considerações biográficas sobre o referido jornalista justificam-se por ajudar a entender o sentido da escolha de Serra. O fato de ter escolhido Políbio Braga, ex-secretário da Fazenda de Porto Alegre, para acusar Dilma de “incompetência”, reforça a percepção de que o candidato tucano ultrapassou uma fronteira política significativa. De Norte a Sul do país, Serra vai se aliando com o que há de mais conservador e reacionário no país. Não se trata apenas de uma obsessão pessoal, como chegou a parecer em determinado momento. Em sua ânsia desesperada de chegar à presidência da República, o ex-governador de São Paulo abriu as portas e acolheu uma agenda política e social ultra-conservadora que vem se manifestando também na Europa e nos Estados Unidos.

Vivendo em Berlim há alguns anos, Flavio Aguiar relata (ver artigo nesta página) que a conversão fundamentalista de Serra não é original:

“Os valores fundamentalistas em torno da religião têm sido constantemente manipulados contra Barack Obama nos Estados Unidos. Na Europa não dá outra: da França, Bélgica e Holanda, à Alemanha, Hungria, Suíça, Áustria, a mobilização da extrema-direita pendeu para uma suposta polarização entre a “civilização judaico-cristã” e o “Islã”, numa campanha tão repelente contra muçulmanos, árabes, turcos, ciganos, etc., quanto à que a campanha de Serra vem fazendo em torno de questões pseudo-religiosas e pseudo-cristãs”.

Quem ainda não decidiu em quem votar deveria pensar um pouco sobre isso. É o futuro do Brasil e de milhões de pessoas que está em jogo. Só isso e tudo isso.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17088
Carta Maior

domingo, 17 de outubro de 2010

AVANTE!

Se eu ando

Ao lado do pranto

E no mais feliz dos cantos

Eu posso cantar...


Quem sabe

A verdade

Invade

E faça-se mostrar...


Sem razão

E a emoção

É apenas intenção

De se libertar...


Liberdade, rebeldia

Lutar a cada dia

Por quem vivia

A se rebelar...


Conquistas a mais

Nunca é demais

Quem sabe faz

E vai lutar...


Luta pela vida

Luta decidida

Cada investida

É para continuar...


Prosseguir na luta

Na mesma conduta

E quem labuta

O que produz terá...


Terão direitos

Mais respeito

E arde no peito

Vontade de mudar...


Sonhos, esperança

Corre, não se cansa

Cheio de perseverança

Não desistirá...


Lutar sem medo

Desvendar segredos

Tarde ou cedo

Se transformará...


Eu acredito,

Luto e insisto

E tenho dito

Vamos é lutar...


Porque quem combate

Não se abate

E mesmo que se mate

A morte não vai parar...


Pois queremos a alegria

De no amanhecer do novo dia

O fruto da rebeldia

Seja o novo tempo que virá...


O que era impossível

Torne-se factível

Pois inadmissível

É ficar onde está...


Em tempo de injustiça

De tanta cobiça

A justiça

Deve se concretizar...


Democracia real

Não formal

Nem meramente teatral

Pra isso vamos lutar...


Rebele-se agora

Sonhe com a nova aurora

Pois já é hora

De podermos mudar...


Insistir

Nunca desistir

Vamos destruir

E nada impedirá...


Destruir o egoísmo

Todo o cinismo

E sair do abismo

Em que a gente está...


Nada será em vão

O futuro em nossas mãos

Virá da revolução

Que iremos realizar...


Avante camaradas

Não temas nada

Quando a justiça for alcançada

Saibas que o comunismo veio a triunfar!

(Poema de Alcides Junior - Militante do PCB e dirigente estadual da UJC em Pernambuco)

Paramos o golpe reacionário; agora daremos conteúdo revolucionário ao processo

Nota do Partido Comunista do Equador

Em 30 de setembro de 2010, o povo equatoriano, as vertentes constitucionalistas das Forças Armadas e da Polícia e a coragem do Presidente Rafael Correa derrotaram uma intentona golpista de setores policiais, disfarçada em reivindicações econômicas e profissionais em associação com forças e partidos de direita, daqueles que não dão um passo sem ter a anuência do imperialismo e que em seu isolamento e desespero não descartaram o assassinato, que também fracassou, mas que fizeram mortos e feridos pelos quais terão que responder.

É que o imperialismo e a oligarquia, que vêm tentando reverter os processos progressistas em Nossa América, acreditaram que tinha chegado seu momento a partir da suposta derrota do Presidente Hugo Chávez na Venezuela, da Revolução Bolivariana, cujas forças conseguiram maioria absoluta na Assembleia; a partir também do lançamento de 30 bombas de 250 e 500 kl de explosivos, com dezenas de aviões e helicópteros sobre o acampamento do responsável militar das FARC-EP conhecido como Mono Jojoy; a partir também da desqualificação e da inabilitação por 18 anos da Senadora Piedad Córdoba, que tanto trabalhou pelo Acordo Humanitário na Colômbia.

O processo que, com sete triunfos eleitorais o povo equatoriano entregou sua condução ao Presidente Rafael Correa, tem como uma de suas essências aflorar as virtualidades e podridões da sociedade e assim produzir as quedas das máscaras para que fique exposto o verdadeiro rosto das forças sociais.

Não é casualidade que o império e a oligarquia tenham escolhido como aríete para a intentona golpista segmentos da Polícia que, hoje, é onde está o melhor caldo de cultivo para suas políticas de conspiração e infiltração sob pretexto da generosamente financiada "luta antidrogas". Não se deve esquecer que quando houve o bombardeio, desembarque, massacre e execução praticados pelas tropas de Uribe em nossa localidade de Angostura, a inteligência policial reportou primeiro à Embaixada dos Estados Unidos, e que também muitos desses trabalhos de inteligência chegam coordenados com o partido Sociedad Patriótica, do ex-presidente Lucio Gutiérrez, que teve também papel ativo na intentona de 30 de setembro, na qual, além de tudo, os amotinados gritavam freneticamente contra o comunismo, contra Fidel e contra Hugo Chávez.

Também não é casualidade que tenha sido o Movimento Popular Democrático e o Movimento Pachakutik os que raspaldaram a tentativa de golpe reacionária. Um de matriz “maoísta", fundado pela CIA em 1964, com vínculos policiais e que na FEUE da Universidade de Guayaquil tem uma aliança política e orgânica pública com o Movimento Madera de Guerrero, do prefeito Jaime Nebot e, hoje, segue o mesmo caminho dos maoístas que, no Chile, estiveram contra Salvador Allende e a favor do golpe de Pinochet, e da Bandera Roja, na Venezuela, que está contra o governo de Hugo Chávez. E o outro que vem se amamentando dos fundos do Banco Mundial, da USAID e da NED, testa de ferro da CIA, tanto para si como organização, quanto para seus principais dirigentes; postura claudicante que, acertadamente, não foi assumida pela CONAIE. Correntes do Partido Socialista acariciavam veladamente o golpe, mas não sua Direção Nacional.

Os dirigentes sindicais vinculados ao financiamento da CSI e da Coordenadora Sindical Americana CSA - financiadas em conjunto pela AFL-CIO dos Estados Unidos e pelas centrais social-democratras e democratas cristãs da Europa -, dissimuladamente, também respaldaram o golpe com suas minguadas reivindicações “sindicalistas”, mas não as filiais da FSM, como a FEI, a mais antiga organização nacional indígena em que militaram Dolores Cacuango e Transito Amaguaña, e a CTE, única matriz de classe, nascida na revolução de Maio de 1944, que derramaram seus militantes e bandeiras nas ruas junto com as forças antigolpistas.

Em consequência pela atitude reacionária dos dirigentes da CEOSL, da CEDOC, da CEDOCUT e da UGTE, o FUT está morto como opção de unidade e luta, pelo que bem fez a CTE em marcar claramente a distância nos acontecimentos de 30 de setembro.

Os meios de comunicação da direita atiçavam a escalada golpista, espalhavam desinformação que foi freada pela utilização dos poderes que constitucionalmente é dado ao Estado de Exceção legalmente decretado.

Da Assembléia Nacional, a direita saltou ao tablado com a consigna da anistia e foram mais notórias as debilidades e os cálculos de muitos parlamentares do PAÍS, que deverão exercitar uma autocrítica e depuração múltipla para não torpedear o processo.

A solidariedade internacional foi um fator de forte pressão antigolpista, expressa em enfáticas declarações de diversos governantes, a firme resolução da UNASUR, as manifestações em frente a muitas das nossas embaixadas, as declarações de múltiplas organizações de todo o mundo. Diante desse cenário, a melhor alternativa para imprensar e derrotar definitivamente as manobras golpistas é melhorar o conteúdo de classe de processo e enchê-lo de conteúdo revolucionário, na perspectiva do socialismo, apoiando-se nas massas organizadas e com consciência e cultura política.

Partido Comunista do Equador

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Derrotar Serra nas urnas e depois Dilma nas ruas [Nota Política PCB]

(Nota Política do PCB)

O PCB apresentou, nas eleições de 2010, através da candidatura de Ivan Pinheiro, uma alternativa socialista para o Brasil que rompesse com o consenso burguês, que determina os limites da sociedade capitalista como intransponíveis. As candidaturas do PCO, do PSOL e do PSTU também cumpriram importante papel neste contraponto.

Hoje, mais do que nunca, torna-se necessário que as forças socialistas busquem constituir uma alternativa real de poder para os trabalhadores, capaz de enfrentar os grandes problemas causados pelo capitalismo e responder às reais necessidades e interesses da maioria da população brasileira.

Estamos convencidos de que não serão resolvidos com mais capitalismo os problemas e as carências que os trabalhadores enfrentam, no acesso à terra e a outros direitos essenciais à vida como emprego, educação, saúde, alimentação, moradia, transporte, segurança, cultura e lazer. Pelo contrário, estes problemas se agravam pelo próprio desenvolvimento capitalista, que mercantiliza a vida e se funda na exploração do trabalho. Por isso, nossa clara defesa em prol de uma alternativa socialista.

Mais uma vez, a burguesia conseguiu transformar o segundo turno numa disputa no campo da ordem, através do poder econômico e da exclusão política e midiática das candidaturas socialistas, reduzindo as alternativas a dois estilos de conduzir a gestão do capitalismo no Brasil, um atrelando as demandas populares ao crescimento da economia privada com mais ênfase no mercado; outro, nos mecanismos de regulação estatal a serviço deste mesmo mercado.

Neste sentido, o PCB não participará da campanha de nenhum dos candidatos neste segundo turno e se manterá na oposição, qualquer que seja o resultado do pleito. Continuaremos defendendo a necessidade de construirmos uma Frente Anticapitalista e Anti-imperialista, permanente, para além das eleições, que conquiste a necessária autonomia e independência de classe dos trabalhadores para intervirem com voz própria na conjuntura política e não dublados por supostos representantes que lhes impõem um projeto político que não é seu.

O grande capital monopolista, em todos os seus setores - industrial, comercial, bancário, serviços, agronegócio e outros - dividiu seu apoio entre estas duas candidaturas. Entretanto, a direita política, fortalecida e confiante, até pela opção do atual governo em não combatê-la e com ela conciliar durante todo o mandato, se sente forte o suficiente para buscar uma alternativa de governo diretamente ligado às fileiras de seus fiéis e tradicionais vassalos. Estrategicamente, a direita raciocina também do ponto de vista da América Latina, esperando ter papel decisivo na tentativa de neutralizar o crescimento das experiências populares e anti-imperialistas, materializadas especialmente nos governos da Venezuela, da Bolívia e, principalmente, de Cuba socialista.

As candidaturas de Serra e de Dilma, embora restritas ao campo da ordem burguesa, diferem quanto aos meios e formas de implantação de seus projetos, assim como se inserem de maneira diferente no sistema de dominação imperialista. Isto leva a um maior ou menor espaço de autonomia e um maior ou menor campo de ação e manobra para lidar com experiências de mudanças em curso na América Latina e outros temas mundiais. Ou seja, os dois projetos divergem na forma de inserir o capitalismo brasileiro no cenário mundial.

Da mesma forma, as estratégias de neutralização dos movimentos populares e sindicais, que interessa aos dois projetos em disputa, diferem quanto à ênfase na cooptação política e financeira ou na repressão e criminalização.

Outra diferença é a questão da privatização. Embora o governo Lula não tenha adotado qualquer medida para reestatizar as empresas privatizadas no governo FHC, tenha implantado as parcerias público-privadas e mantido os leilões do nosso petróleo, um governo demotucano fará de tudo para privatizar a Petrobrás e entregar o pré-sal para as multinacionais.

Para o PCB, estas diferenças não são suficientes qualitativamente para que possamos empenhar nosso apoio ao governo que se seguirá, da mesma forma que não apoiamos o governo atual e o governo anterior. A candidatura Dilma move-se numa trajetória conservadora, muito mais preocupada em conciliar com o atraso e consolidar seus apoios no campo burguês do que em promover qualquer alteração de rumo favorável às demandas dos trabalhadores e dos movimentos populares. Contra ela, apesar disso, a direita se move animada pela possibilidade de vitória no segundo turno, agitando bandeiras retrógradas, acenando para uma maior submissão aos interesses dos EUA e ameaçando criminalizar ainda mais as lutas sociais.

O principal responsável por este quadro é o próprio governo petista que, por oito anos, não tomou medida alguma para diminuir o poderio da direita na acumulação de capital e não deu qualquer passo no sentido da democratização dos meios de comunicação, nem de uma reforma política que permitisse uma alteração qualitativa da democracia brasileira em favor do poder de pressão da população e da classe trabalhadora organizada, optando pelas benesses das regras do viciado jogo político eleitoral e o peso das máquinas institucionais que dele derivam.

Considerando essas diferenças no campo do capital e os cenários possíveis de desenvolvimento da luta de classes - mas com a firme decisão de nos mantermos na oposição a qualquer governo que saia deste segundo turno - o PCB orienta seus militantes e amigos ao voto contra Serra.

Com o possível agravamento da crise do capitalismo, podem aumentar os ataques aos direitos sociais e trabalhistas e a repressão aos movimentos populares. A resistência dos trabalhadores e o seu avanço em novas conquistas dependerão muito mais de sua disposição de luta e de sua organização e não de quem estiver exercendo a Presidência da República.

Chega de ilusão: o Brasil só muda com revolução!

PCB – PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO

COMITÊ CENTRAL

Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2010

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Os EUA envolvidos na tentativa de golpe no Equador

O fracasso da tentativa de golpe no Equador configura uma derrota do imperialismo norte-americano, envolvido na sua preparação.

A montagem golpista não atingiu o objectivo.

Foi o veto do Presidente a uma proposta de emendas a uma lei que retirava privilégios ilegítimos à Policia que despoletou a intentona. No Parlamento, a oposição, liderada por Lúcio Gutierrez – o ex-presidente deposto em 2005 por uma insurreição popular – provocou desordens, incitando as forças de segurança à rebelião.

No principal quartel de Quito, a Policia amotinou-se. Elementos da Força Aérea juntaram-se aos polícias amotinados. E quando Rafael Corrêa, de muletas, convalescente de uma operação, entrou ali e se dirigiu aos oficiais e praças sublevados foi insultado e agredido com gases lacrimogéneos.

Ferido, abriu a camisa e expondo o peito, bradou à turba de amotinados: «Matem o presidente, se têm coragem. Não perderei a dignidade».

Protegido pelos seguranças que o acompanhavam, conseguiu refugiar-se no hospital instalado no quartel. Cercado durante muitas horas, proclamou o estado de emergência e, numa entrevista a um canal de televisão, informou que estava praticamente sequestrado e apelou ao povo e às Forças Armadas para defenderem a Constituição e a legalidade.

Uma força do Exército invadiu então o quartel e, após dominar o motim, libertou Rafael Corrêa que do Palácio Presidencial falou à multidão que o aclamava, denunciando a cumplicidade de Lúcio Gutierrez na intentona da Policia.

O Departamento de Estado condenou a sublevação da Polícia, mas absteve-se de utilizar a palavra golpe. Ocorre que, tal como ocorreu com o «gorilazo» nas Honduras, a cumplicidade da Embaixada na rebelião é inocultável.

Há dois anos, em Outubro de 2008, o Ministro da Defesa do Equador acusou num relatório oficial diplomatas dos EUA de corromperem militares e polícias. A embaixadora Heather Lodges recusou comentar o documento, limitando-se a afirmar que a colaboração da sua missão diplomata com as forças de segurança «é muito importante».

Aliás, o governo do Equador acusou frontalmente a CIA de cumplicidade com o governo da Colômbia no bombardeamento ao acampamento do comandante Raul Reyes, das FARC, acto de pirataria que motivou o corte de relações com Bogotá.

Já no ano corrente, numa visita a Quito, o secretário de Estado adjunto para os Assuntos do Hemisférico Ocidental foi acompanhado por Ted Stern, um diplomata cuja ligação à CIA é transparente.

Washington num contexto diferente, tentou repetir o esquema golpista que montou, com êxito, nas Honduras. Mas o tiro saiu pela culatra.

Não é apenas o povo do Equador que nestes dias aclama o seu Presidente. O prestígio de Rafael Corrêa cresceu em toda a América Latina.

OS EDITORES DE ODIARIO.INFO

Fonte: http://www.odiario.info/?p=1759

terça-feira, 5 de outubro de 2010

"limite à compra de terras por estrangeiros reforça direitos humanos"

Por Vanessa Ramos
Da Página do MST

Há décadas, terras agrícolas brasileiras despertam a cobiça de estrangeiros. Isso não é uma novidade. No entanto, o parecer 01/2008, da Advocacia Geral da União (AGU), aprovado pela Presidência da República, é uma barreira que pode mudar esse quadro. O texto, publicado no dia 23 de agosto passado, limita a compra de terras brasileiras por estrangeiros.

Segundo Jacques Tavora Alfonsin, advogado e procurador aposentado do Estado do Rio Grande do Sul, o parecer reforça a defesa de direitos humanos fundamentais para o povo brasileiro, como a soberania nacional.

“O direito de propriedade tende a se expandir ilimitadamente, subordinado apenas à capacidade econômica de quem compra terra. Se isso já causou tantos males ao país, que a própria Constituição Federal viu-se forçada a prever, num inteiro capítulo da sua redação, a necessidade inadiável da Reforma Agrária, é porque a concentração desse direito em poucas mãos, sem controle eficaz, é danosa para a terra e o povo da terra”, explica.

Com o parecer, empresas controladas pelo capital estrangeiro estão impedidas de adquirir imóveis rurais acima de 50 módulos fiscais (varia entre 250 a 5 mil hectares, dependendo da região do país). O capital estrangeiro também não poderá comprar terras que representem mais de 25% da área de um município.

Controle do agronegócio

No entanto, há especialistas que desconfiam de que o texto da AGU sozinho seja insuficiente para garantir o controle do agronegócio no país. “Se a aplicação das disposições constitucionais e infraconstitucionais, relacionadas com o controle da terra, for respeitada, o parecer será suficiente”, afirma Alfonsin.

Segundo ele, o parecer conta ainda com um sólido amparo legal para se tornar eficaz. Por exemplo, o Estatuto da Terra, as leis 5709/71 (posse e propriedade de terras no território nacional) e 6634/79 (competência do Conselho de Segurança Nacional para autorizar ocupação do território brasileiro), ambas anteriores a Constituição de 1988, além da 8629/93.

“Se existe algum ponto negativo no parecer da AGU, esse talvez possa ser, salvo melhor juízo, o de ter se preocupado demais com a revogação do art. 171 da Constituição Federal, aquele que distinguia empresa estrangeira, de empresa nacional com maioria de capital estrangeiro”, ressalta o advogado.

Por outro lado, especialistas em investimentos afirmam que, com o parecer, vai cair o número de investimentos no Brasil e que as matérias-prima, como a celulose, vão ficar mais caras.

O ex-procurador aposentado do Estado do Rio Grande do Sul não concorda com a avaliação. “Sempre que um mega projeto econômico se vê, de alguma forma, limitado no seu ímpeto de expansão sobre terra e domínio sobre pessoas, reclama com estridência ao nível do escândalo público”

Alfonsin acredita que essa ameaça tem base apenas nas “lei do mercado”. “Isso demonstra o quanto o poder econômico deste sistema se sente e tem-se mostrado bem superior ao poder da lei do Estado”, completa.

Espoliação dos estrangeiros

De acordo com o Banco Mundial, o Brasil possui cerca de 15% das terras no mundo ainda não exploradas. A entidade também revela que 46,6 milhões de hectares de terras foram adquiridos por estrangeiros nos países em desenvolvimento, entre outubro de 2008 e agosto de 2009 - área superior a toda a região agricultável do Reino Unido, França, Alemanha e Itália.

Dados divulgados pelo Incra, em junho de 2010, informam que o maior número de hectares sob controle de estrangeiros no Brasil está no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Paraná, Goiás, Pará e Amazonas.

“A nossa história, lamentavelmente, registra que aquilo que se tem considerado crescimento econômico não equivale à melhoria do bem-estar social de todo o povo. Os vestígios do modelo colonizador que se implantou aqui, desde 1500, ainda perduram em grande parte da cultura exploradora e predatória da nossa terra”. denuncia.

As obras dos maiores pensadores da realidade brasileira, como Celso Furtado (A formação econômica do Brasil), Raymundo Faoro (Os donos do poder), Ruy Cirne Lima (Terras devolutas), Sergio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) e Darcy Ribeiro (O processo civilizatório), de acordo com Alfonsin, apontam que a “presença estrangeira sobre nossa terra, com raras exceções, foi marcadamente espoliativa e predatória”.

A STCP Engenharia, de Curitiba, informa que o parecer do governo resultou na suspensão de cinco projetos florestais e agrícolas que estava tocando, que somariam US$ 3,2 bilhões, sendo que US$ 700 milhões seriam destinados à implementação de indústrias.

“A terra não é somente de proprietários. Ela tem um destino natural que não é o de dar abrigo e alimento a todo o povo. Esse não pode ser traído, de modo particular, pelo agronegócio exportador, cujo apoio da mídia e de grande parte do Poder Público faz parecer como a panacéia dos nossos males”, esclarece o advogado.

Ele espera que as conclusões previstas no texto do parecer sejam respeitadas e reforcem Poder Público da União.

Fonte: mst.org.br

A agroenergia serve à vida ou ao capital?

5 de outubro de 2010


Por Leonardo Boff
No Jornal do Brasil

No artigo anterior abordamos a energia como um dos maiores enigmas do universo, especialmente, a Energia de Fundo que sustenta o cosmos e cada ser. Agora concentramo- nos na agroenergia, a mais saudada nos dias atuais por causa da crescente exaustão da matriz energética fóssil. Ela é vista como uma espécie de Arca de Noé salvadora do atual sistema.

Naturalmente, a energia, pouco importa seu tipo, é imprescindível para tudo, particularmente é o motor da economia de mercado e serve para todas as civilizações.

Quem quiser ter um apanhado bem fundado do tema numa perspectiva global, passando pelos países produtores e analisando os principais agrocombustíveis e, em geral, a bioenergia, deve ler o livro, de François Houtart, A agroenergia: Solução para o clima ou saida da crise para o capital? (Voz es 2010). O autor, sociólogo belga, muito conhecido em todo o Terceiro Mundo por ter criado em Louvain um centro tricontinental onde forma quadros da melhor qualidade, vindos do Grande Sul, para atuarem de forma tansformadora em seus respectivos países, entre eles muitos brasileiros. É um dos fundadores e animadores do Forum Social Mundial.

A utilização de energias renováveis obedece a dois imperativos: 1), a curta longevidade do petróleo, cerca de 40 anos; do gás, 60; e 200 para o carvão; 2) a salvaguarda do meio ambiente e o controle do aquecimento global que, descuidado, pode pôr em risco toda a civilização.

Mesmo assim, um substituto à energia fóssil não é ainda, a médio prazo, alcançável. A agroenergia representará em 2012 apenas 2% do consumo global e poderá chegar a 7% em 2030, supondo a utilização do conjunto das terras agricultáveis da Austrália, da Nova Zelândia, do Japão e da Coreia do Sul. Se fossem utilizadas todas as superfícies produtivas da Terra, elas alcançariam o equivalente ao petróleo que é um bilhão e 400 bilhões de barris/ dia. Ora, as demandas atuais se elevam a 3 bilhões e 500 milhões, tendendo a subir. Aqui emerge um impasse sistêmico. Tal fato obrigaria a pensar num outro modo de produção e de consumo, menos energívoro.

Se houvesse sentido de futuro coletivo, compaixão para com a humanidade sofredora, grande parte dela submetida à fome, à escassez de água potável e a todo tipo de enfermidade, e se predominasse o cuidado para com a Mãe Terra contra a qual movemos guerra total no solo, no subsolo, nos ares, nos rios e nos oceanos, refletiríamos seriamente como encontrar um modo de habitar o planeta com mais sinergia com os ritmos da natureza, com responsabilidade coletiva pela inclusão de todos e com benevolência para com a comunidadede vida. Agora seria a grande ocasião. Mas nos falta sabedoria, e ainda acreditamos nas possibilidades ilusórias do desastroso sistema capitalista que nos levou ao impasse atual.

O drama que envolve as energias alternativas reside no fato de que elas foram sequestradas pela lógica do capital. Este visa lucro crescente e nunca toma em consideração as externalidades que não entram no cálculo econômico (como a degradação da natureza, a poluição do ar, o aquecimento global, o crescimento da pobreza). Elas somente serão tomadas a sério quando forem tão negativas a ponto de prejudicarem as taxas de lucro do capital. Por isso, não nos enganemos com as empresas que alardeiam o caráter verde de sua produção. O verde vale desde que não afete os lucros nem diminua a capacidade de concorrência.

Importa dizer com todas as palavras: a busca de energias alternativas limpas não intenciona forjar formas de salvar o gênero humano e suas capacidades vitais mas visa a preservar a sorte do sistema do capital com sua lógica do ganha-perde.

Ora, esse sistema, com flexibilidade e adaptação espantosas, é capaz de produzir ilimitados bens e serviços mas sempre à custa da dominação da natureza e da criação de perversas desigualdades sociais. Hoje, ele está encostando nos limites da Terra, cujos recursos estão se extenuando. Está realizando a profecia de Marx, segundo a qual ele iria destruir as duas fontes de sua riqueza: a natureza e o trabalho. Ora, estamos assistindo exatamente ao cumprimento desta sinistra profecia.

A agroenergia não pode estar a serviço da reanimação de um moribundo mas deve reforçar a vida que demanda outro tipo de produção e de relação não destrutiva para com a natureza. O tempo para isso é urgente, para não chegarmos atrasados.

TRÊS ORIGINALIDADES E UM VELHO CAMINHO

TRÊS ORIGINALIDADES E UM VELHO CAMINHO

Mauro Luis Iasi*

Resumo: Análise da trajetória da Revolução Cubana tomando como hipótese três aspectos particulares que atribuem a esta experiência histórica sua originalidade e a reflexão sobre elementos de sua universalidade como manifestação histórica fundada na concepção socialista e nos pressupostos marxianos.

Quando comemorarmos os 50 anos da Revolução Cubana torna-se necessário refletir sobre sua trajetória, seus ensinamentos e impasses. Devemos alertar inicialmente que em se tratando da Revolução Cubana, ainda que como em toda a análise devamos preservar a necessária objetividade, nos é impossível qualquer tipo de neutralidade. Assim, acompanhamos Mario Benedetti reafirmando que seremos totalmente parciais e, mais que isso, apaixonados, pois cremos que, assim como vimos em Cuba, paixão e revolução são inseparáveis.

A história da Revolução Cubana nos permite identificar três originalidades que lhe conferem um aspecto singular no cenário das revoluções do século XX, mas, ao mesmo tempo, ela é a comprovação de pressupostos e caminhos universais que a luta dos povos vem construindo, teórica e praticamente, há tanto tempo.

Seguindo as pistas de Che Guevara, quando busca compreender se há ou não uma excepcionalidade nos caminhos trilhados pelos revolucionários cubanos, concordamos que as características específicas de Cuba também lhe permitem uma profunda identidade com as demais formações sociais1, fundamentalmente aquelas de nosso continente. Aqui, no entanto, gostaria de começar por destacar três elementos ligados aos caminhos escolhidos no que tange à Revolução e à transição socialista.

PRIMEIRA ORIGINALIDADE: QUANTO À VIA REVOLUCIONÁRIA

O primeiro aspecto que gostaria de destacar diz respeito à via revolucionária, ou seja, o caminho de objetivação da estratégia e suas vinculações táticas. O pano de fundo desta polêmica se relaciona, ao mesmo tempo, com os elementos da realidade cubana e o debate das experiências revolucionárias vitoriosas, ou seja, a Revolução Russa e a Revolução Chinesa.

Toda grande revolução deixa uma marca e se torna uma referência. É natural, portanto, que os revolucionários procurem seguir seus passos e, muitas vezes, de maneira mecânica. Assim surgem modelos. Esquematicamente podemos resumir para fins desta exposição nas consagradas fórmulas do chamando modelo Petrogrado, ou seja, uma insurreição baseada nos principais centros urbanos/industriais e na classe operária que, se aliando aos camponeses, logra a tomada do poder; e a Guerra Popular Prolongada que partindo das lutas e guerrilhas no campo se transforma em um Exército Popular e toma as cidades, cercando-as.

Cuba tinha uma grande tradição de greves e insurreições, assim como de luta armada, como as duas guerras de independência. Com a montagem do grupo guerrilheiro na Sierra

Maestra e a organização de resistência construída pelo M26 nas cidades, abre-se o debate a respeito do núcleo estratégico e da via, isto é, uma greve geral que leva a uma insurreição apoiada pelo braço armado guerrilheiro, ou uma ação ofensiva da guerrilha apoiada pela resistência urbana que deflagraria uma greve geral. Tal polêmica que contrapunha os chamados setores da planície e da sierra expressava o debate entre as alternativas soviética e chinesa. A primeira originalidade que destacamos é que a polêmica se resolve de maneira criativa.

A Revolução Cubana não é uma mera cópia de nenhum dos dois modelos, mas antes uma síntese. A mera greve geral insurreicional não seria capaz de derrotar Batista, como se comprovou na tentativa de 1958. Da mesma forma a mera transposição da Guerra Popular Prolongada seria inviável nas condições cubanas, pelas dimensões do território, pela presença próxima do imperialismo e outros fatores. A saída foi uma criativa combinação entre a ação da guerrilha, a formação das áreas liberadas no oriente, a resistência urbana e a frente de revolucionária conseguida através de um amplo leque de alianças, que culminou, simultaneamente na ofensiva militar e a insurreição que levaria à vitória de janeiro de 1959.

DIREÇÃO REVOLUCIONÁRIA, ALIANÇAS E PRINCÍPIOS

A segunda originalidade diz respeito a direção revolucionária, sua forma de condução política da luta, incluindo aí a questão das alianças e, na seqüência, a firmeza estratégica que leva da superação do momento da revolução democrática à construção socialista.

O protagonismo do M26 desde sua formação após o assalto ao quartel Moncada, a preparação e a montagem do núcleo guerrilheiro na Sierra Maestra é inquestionável. No entanto, no curso da luta contra Batista os revolucionários, sem que perdessem o protagonismo, tornaram possível uma frente bastante ampla que não apenas atraiu os outros partidos progressistas, como o PSP (nome legal do Partido Comunista), o Diretório Estudantil Revolucionário e outros, mas setores da própria burguesia cubana e mesmo de latifundiários.

Este caminho não se deu sem tensões e mesmo polêmicas, por exemplo, a que opôs Fidel a Che quando das negociações com empresários e o compromisso firmado na Venezuela. O fato é que a ação política do M26 isolou o ditador e criou as condições políticas da vitória. Mas é aí que entra a verdadeira originalidade da revolução cubana e que a diferencia das muitas tristes e trágicas experiências que presenciamos em nosso continente.

Logo após a vitória em janeiro de 1959 se forma um governo tendo a Frente Urrítia e Cardona, dois políticos democráticos e que mantinham boas relações com a burguesia cubana e os EUA, defendendo uma solução de compromissos e responsabilidade. Fidel se encontra em Santiago e faz uma lenta e longa marcha na qual repete seu discurso segundo o qual a Revolução começaria agora e chegava ao poder sem compromissos com ninguém a não ser com o povo que era o único dono da vitória. Contra as propostas moderadas, impôs o programa de Moncada, a reforma agrária (começando pelas terras de sua própria família), a reforma urbana e, depois, a nacionalização das empresas estrangeiras, leia-se, norte americanas.

Em tempos como os nossos onde candidatos se esquecem de seus princípios no caminho entre as urnas e o palácio do governo e contentam-se em se manter nos limites da ordem abandonando as verdadeiras demandas revolucionárias que por ventura um dia os moveram, esta é uma característica excepcional da revolução Cubana.

A ORIGINALIDADE NA CONSTRUÇÃO DA TRANSIÇÃO SOCIALISTA

A terceira originalidade se relaciona à transição socialista e seus problemas. Uma vez consolidada a vitória, não sem dificuldades como mostra a brutal reação do imperialismo desde as sabotagens até a tentativa de invasão pela Baia dos Porcos em 1961, reapresenta-se a polêmica dos modelos, agora aplicados não mais à via, mas a condução da economia. Recordemos que no início da década de sessenta ocorre o rompimento entre URSS e China, o que agrava o debate.

Neste momento delicado a direção revolucionária soube manter uma postura extremamente correta e como afirmou Fidel em seu discurso de fundação do PCC, “não perguntamos a ninguém como deveríamos fazer a revolução e a fizemos e não perguntaremos a ninguém como deveremos levá-la à frente e levaremos”; e alertava que “ninguém pode nos dividir se não deixarmos que as divergências que dividem o campo socialista nos atinjam”. Na mesma oportunidade Fidel lembrava que o marxismo é uma doutrina feita por revolucionários para revolucionários e não uma propriedade privada registrada em nenhum cartório, completando: “aqueles que derem interpretações corretas e as aplicarem conseqüentemente triunfarão, aqueles que não o fizerem fracassarão”.

Esta postura de independência que marcaria a posição de Cuba no cenário internacional refletiu-se internamente de maneira muito significativa e neste episódio a figura de Che Guevara é essencial. Começando pela própria construção do Partido.

Quando da criação do Partido Unido da Revolução Socialista, ainda em 1961, certos dirigentes de partidos já estruturados defendiam a idéia de que se mantivesse a hierarquia anterior, ou seja, alguém que fosse da direção de um partido ou organização que compunha a frente tornar-se-ia dirigente do Partido Unido. Che contrapõe a esta tese a proposta de criação das ORIs (Organizações Revolucionárias Integradas) que deveriam ser compostas a partir dos locais de trabalho e comitês de defesa de quadra e os quadros que integrariam o partido e suas direções deveriam ser indicados pelos trabalhadores entre aqueles que estes considerassem os mais capazes e firmes.

Além desta importante questão da organização a grande originalidade na construção socialista vem da discussão sobre a forma de organização da economia. Che, nesta época no Ministério, faz um profundo estudo sobre as experiências socialistas, inclusive viajando a vários países e conversando com dirigentes e trabalhadores. O comandante chega a uma conclusão de transcendental importância. Em suas palavras:

Perseguindo a quimera de realizar o socialismo com os meios falhos que nos legou o capitalismo (a mercadoria como célula econômica, a rentabilidade, o interesse material individual como alavanca, etc.) se pode chegar a um beco sem saída. E quando se chega aí depois de percorrer uma longa distância na qual os caminhos se entrecruzam, muitas vezes é difícil perceber o momento que perdemos o caminho. Entretanto, a base adaptada já terá feito seu trabalho de sabotagem sobre o desenvolvimento da consciência. Para construir o comunismo, simultaneamente com a base material temos que produzir o homem novo (GUEVARA, s/d, p. 273).

E completa:

Não se trata de quantas gramas de carne se come ou quantas vezes por ano alguém pode ir à praia, nem de quantas belezas que vem do exterior possam ser compradas com os salários atuais. Trata-se, precisamente, que o indivíduo se sinta mais pleno, com muito mais riqueza interior e com muito mais responsabilidade (p. 282-283).

Tais constatações levaram o comandante a propor um sistema que chamava de presupostário e que, em síntese, procurava superar a forma mercantil na relação entre empresas socializadas e mais adiante tentou, numa experiência piloto na Isla de la Juventud, uma forma de sociabilidade na qual recuperava-se o valor de uso e abolia-se o dinheiro como forma de equivalente. É neste contexto que devemos entender a proposta guevariana a respeito da superioridade dos incentivos morais sobre os materiais. Não se trata de uma formulação meramente ética ou romântica, pelo contrário, sua posição remete a necessidade de considerar as transformações de consciência como força material no desenvolvimento das forças produtivas. Polemiza Che:

Se, o estímulo material se opõe ao desenvolvimento da consciência, mas é uma grande alavanca para obter resultados na produção, devemos entender que a atenção preferencial ao desenvolvimento da consciência atrasa a produção? Em termos comparativos em uma época dada, é possível, ainda que ninguém tenha realizado cálculos pertinentes; afirmamos que em tempo relativamente curto de desenvolvimento da consciência o desenvolvimento da consciência faz mais para o desenvolvimento da produção que o estímulo material e o fazemos projetando o desenvolvimento da sociedade socialista em direção ao comunismo, o que pressupõe que o trabalho deixe de ser uma penosa necessidade para converter-se em um agradável imperativo (GUEVARA, s/d, p. 191).

Destacando que o fundamento ético da proposta de Che é a materialidade das relações, tal raciocínio não deixa de ser moral, porém esta se altera substantivamente não apenas como meta ideal, mas, fundamentalmente como caminho. Não é uma mera afirmação de princípios, é uma poderosa crítica aos caminhos escolhidos pelas sociedades que ensaiavam a transição socialista. A transição socialista é, simultaneamente, composta de mudanças materiais e nas relações sociais que tanto impulsionam alterações na consciência, como são impulsionadas por estas alterações.

O socialismo econômico sem a moral comunista não me interessa, dizia Che. Lutamos contra a miséria, mas ao mesmo tempo lutamos contra a alienação. Um dos objetivos fundamentais do marxismo é fazer desaparecer o ‘interesse individual’ e também, das motivações psicológicas. Marx se preocupava tanto com os fatos econômicos como sua tradução na mente. Ele chamava isto de ‘fatos de consciência’. Se o comunismo descuida dos fatos de consciência pode até se tornar um método de distribuição, mas deixa de ser uma moral revolucionária (DANIEL, 1987, p. 45).

A tragédia é que em Cuba se gestavam as condições para que esta constatação ocorresse, pelo desenvolvimento da experiência socialista até então, mas as condições materiais para superar as determinações materiais que se encontram na base do fenômeno detectado, em Cuba, se encontravam ainda menos desenvolvidas que em outras formações sociais que trilhavam o caminho da transição socialista. Isso explica o desenvolvimento futuro das escolhas econômicas na ilha revolucionária e os problemas práticos encontrados na execução, naquele momento, do pensamento econômico de Che.

Entretanto, estas reflexões não deixaram de fincar suas marcas na experiência cubana, desde as formas de organização nos locais de trabalho, nas formas de gestão e mesmo, e talvez fundamentalmente, nos processos políticos que culminaram na experiência de Poder Popular iniciada a partir de 1974, depois estendida em 1979.

UM ÚLTIMO ELEMENTO ORIGINAL

O conjunto destas originalidades implica na singularidade da experiência cubana, mas há um outro elemento, mais difuso e difícil de ser compreendido por observadores desatentos, que se potencializou por estes aspectos descritos, mas em grande medida também podem explicá-los. Este elemento é a dignidade. Não que exista alguma essencialidade ou caráter nacional, ou qualquer uma destas metafísicas, trata-se de um traço cultural e histórico e, em grande medida, construído pela revolução.

A exploração colonial, a escravidão e o racismo, as opressões da riqueza e do domínio imperialista, costumam impor traços de subserviência e servilismo. O fato de a história de Cuba ser marcada por duas guerras de independência, a primeira levando à abolição da escravidão e a segunda a independência em relação à Espanha, a luta guerrilheira contra Batista, produzem uma alteração significativa que reverte servilismo em rebeldia. Como não há essência humana fora daquela que os seres humanos constroem através de sua ação histórica, a rebeldia levou a emancipação de uma dignidade rara de se encontrar entre nossos sofridos povos explorados.

Este é um traço difícil de ser compreendido pelos adversários da Revolução Cubana e, inclusive, para alguns de seus defensores. Peguemos por exemplo uma bela canção de Silvio Rodriguez, El Nécio. Explica o autor em seu disco que um tanto surpreendido com as insistentes tentativas de seduzi-lo com propostas milionárias de carreiras e contratos no exterior, talvez por estes senhores acreditarem que “todos têm seu preço”, ironicamente responde que se é assim, coloca o seu: “Es una canción de marketing, de precios. Y para que nadie se imagine que soy santo, voy a poner el mío (por ahora): El levantamiento del bloqueo a Cuba y la entrega incondicional del territorio Cubano que E.E.U.U. usa como base naval en Guantánamo”. E diz em sua música:

Para no hacer de mi ícono pedazos,

para salvarme entre únicos e impares,

para cederme un lugar en su Parnaso,

para darme un rinconcito en sus altares.

me vienen a convidar a arrepentirme,

me vienen a convidar a que no pierda,

mi vienen a convidar a indefinirme,

me vienen a convidar a tanta mierda.

Yo no se lo que es el destino,

caminando fui lo que fui.

Allá Dios, que será divino.

Yo me muero como viví.

É estranho para quem trás no peito uma máquina registradora no lugar do coração entender certas posturas. Quando a URSS ruía e logo após o muro que separava a Alemanha, muitos repórteres internacionais foram a Cuba, prontos para registrar a queda do regime. Alguns devem estar lá, persistentes, até hoje. Mesmo no mais duro dos tempos do chamado período especial, e acreditem eram duros estes tempos no que diz respeito as mais elementares necessidades da existência, Cuba logrou resistir e cabe perguntar por quê? A imprensa internacional tem já pronta sua resposta, a ditadura, o medo, a violência.

Em um documentário sobre o período especial, um dos entrevistados nos diz que quando ouvia Fidel falar das dificuldades, da necessidade de enfrentar as carências tão sérias que estavam enfrentando, mas ao mesmo tempo resistir na alternativa socialista, dizia, “nós acreditávamos nele, pois podemos olhar nos olhos de nossos dirigentes e ver que eles estavam falando a verdade, que não estavam enriquecendo, nem mandando dinheiro para o exterior quando pediam o nosso sacrifício”. Este é um recurso difícil de ser quantificado e que se relaciona com esta rebeldia e dignidade que falávamos. Um pequeno pedaço mais da música de Silvio talvez esclareça melhor.

Yo quiero seguir jugando a lo perdido,

yo quiero ser a la zurda más que diestro,

yo quiero hacer un congreso del unido,

yo quiero rezar a fondo un hijonuestro.

Dirán que pasó de moda la locura,

dirán que la gente es mala y no merece,

más yo seguiré soñando travesuras

(acaso multiplicar panes y peces).

[...]

Dicen que me arrastrarán por sobre rocas cuando la Revolución se venga abajo,

que machacarán mis manos y mi boca,

que me arrancarán los ojos y el badajo.

Será que la necedad parió conmigo,

la necedad de lo que hoy resulta necio:

la necedad de asumir al enemigo,

a necedad de vivir sin tener precio.

Yo no se lo que es el destino,

caminando fui lo que fui.

Allá Dios, que será divino.

Yo me muero como viví.

Dignidade. Não esperem que explique. Certas coisas são impossíveis de ser explicadas ao cérebro se o coração não entendeu.

UM VELHO CAMINHO EM MEIO A TRÊS ORIGINALIDADES

Finalmente, depois de tecer comentários sobre algumas originalidades da Revolução Cubana, me permito afirmar que esta profunda singularidade alcançada só foi possível porque os revolucionários cubanos souberam se fundamentar em pressupostos e leis que não são em absoluto em nada originais: o marxismo.

Em si mesmo, o verdadeiro marxismo, porque dialético, é simultaneamente tradição e ruptura, herança e inovação, em uma palavra superação dialética. Só pode ir além quem se fundamenta no existente, só pode inventar o futuro evitando as armadilhas do passado, quem conhece a história. Neste aspecto a Revolução Cubana não é original, ela é parte da história do socialismo e reafirma elementos substanciais de todo pensamento revolucionário e, fundamentalmente, do pensamento marxiano.

Não é o caso de realizar um exaustivo inventário desta profunda coerência entre a experiência cubana e os fundamentos do marxismo, mas ressaltemos aqui apenas alguns poucos elementos.

O primeiro deles é o conceito de Revolução Permanente, inicialmente apresentado por Marx e Engels em Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas (1850) e depois resgatado com muita propriedade por Trotsky. Por este princípio, ainda que a revolução proletária, por determinações objetivas se encontre na situação de ter que lutar contra o inimigo de seus adversários, no caso da luta da burguesia contra a nobreza feudal deveria conduzir sua estratégia de forma que as condições de desenvolvimento da luta em aliança com a burguesia levariam ao desenvolvimento da luta contra ela no sentido da revolução proletária. Lênin compreendeu perfeitamente isso na passagem da Revolução de fevereiro para a tomada do poder em Outubro. Fidel e seus camaradas não pararam no meio da viagem para descansar e se contentaram em democratizar Cuba, desenvolver o capitalismo, ousaram o salto revolucionário no sentido da transição socialista.

A leitura esquemática e dogmática desta tese leva a uma estranha teoria das etapas, na qual é necessário primeiro desenvolver o capitalismo para depois ser possível uma revolução socialista, tal como se consolidou em certo momento na Terceira Internacional sob influência do período stalinista e virou o principal dogma da deformação social-democrata.

O segundo elemento, que está ligado a este primeiro, é a questão da dualidade de poderes que no caso de Cuba se expressou no momento de constituição do governo Urrítia/Cardona em 1959 ao lado da força organizada da guerrilha e das áreas liberadas. Este é um traço universal nos processos revolucionários, a capacidade de dar forma organizativa e coletiva a uma correlação de forças que torne possível a derrota do inimigo. Assim foram os Soviets na experiência russa, as enormes áreas liberadas com apoio dos camponeses na China e a guerrilha na Sierra Maestra no caso cubano.

O terceiro elemento que Marx e Engels destacam é que a revolução, em algum momento de seu desenvolvimento, encontra a resistência do Estado e de seus meios de dominação, com destaque nos momentos mais agudos de luta, as forças armadas. Ainda que as vias e as formas possam variar muito, e de fato variaram na pequena história do socialismo, não se supõe possível uma revolução que se pretenda verdadeira, seguir seu curso sem que haja rupturas. O mito de desenvolvimento pacífico da revolução, que tanto sangue custou em nossa história (vejam Alemanha e Chile), desconsidera que a implantação de uma transição societária em direção ao socialismo e além dele ao comunismo, não se dará sem rupturas.

Aqueles que desejam preservar suas alianças e as sagradas noções de governabilidade estão condenados a limitar sua ação política nos limites da ordem. Os revolucionários cubanos não padeceram deste mal.

Por último, mas não menos importante, está uma tese central de Marx. A transição socialista só é possível tendo por base o pleno desenvolvimento das forças produtivas materiais que se abrigam na forma societária capitalista. Dizia Marx, em 1859, que nenhuma forma social desaparece antes que se desenvolvam ao máximo todas as forças produtivas que pode conter e jamais surgem novas formas de sociabilidade antes que se desenvolvam, no seio da própria sociedade antiga, as condições materiais para tanto.

Aparentemente Cuba nega esta tese, pois inicia uma revolução que se declara socialista em um país pobre e de escasso desenvolvimento capitalista enquanto grandes países altamente industrializados e plenamente capitalistas contentam-se em acelerar o crescimento capitalista e distribuir bolsas. No entanto, as aparências enganam.

Primeiro devemos ressaltar que nem Marx, nem Engels, consideram uma relação mecânica entre a base material econômica e a luta política, ou seja, a política é entendida como mediação. Isso significa que não existe nenhuma determinação que limite a ação dos seres humanos, pois como afirmava Marx no mesmo texto (2009) a humanidade só se propõe tarefas que podem realizar, pois se analisamos bem, estas tarefas só brotam quando existem ou estão em germinação as condições materiais para enfrentá-las.

Portanto, não é o caso de esperar as condições materiais desenvolvidas para depois agir, o que leva a todo tipo de reformismo e adeqüacionismo que conhecemos. Cuba trilhou seu caminho a partir das condições que ali se apresentavam e que tornavam possível uma revolução e não dá o salto em direção ao socialismo por puro aventurerismo romântico, mas por que a luta de classe ali tornou possível que sua vanguarda assim caminhasse.

No entanto, o desdobramento da construção do socialismo em Cuba prova que a experiência cubana, e neste ponto também todas as experiências socialistas do século XX, comprovam que Marx estava tragicamente certo em sua tese. A autonomia da ação política não pode prescindir das condições materiais, ou seja, ainda que possível ir além com base em condições ainda em germinação, o pouco desenvolvimento das forças produtivas materiais cobrará seu tributo na forma e destino da ousadia empreendida, determinando o rumo da transição, ou não, ao comunismo.

Minha paixão por Cuba e meu sólido compromisso solidário com o povo cubano não me impedem de reconhecer os graves problemas e, em alguns casos, mesmo distorções, em sua experiência revolucionária. Os próprios cubanos as conhecem e, alguns, têm clara consciência de suas conseqüências. Mas, estes problemas não negam as teses centrais do pensamento marxiano, pelo contrário, as confirmam, como podemos destacar em apenas uma simples mas extremamente complexa constatação: a revolução socialista é, necessariamente, internacional.

Os cubanos, com seu compromisso internacionalista para o qual Che é um exemplo, não podem substituir as bases materiais de universalização do capital que torna possível a revolução mundial. Podem, e assim o fizeram e fazem, estar ombro a ombro com toda luta que caminha no sentido da emancipação.

Assim podemos concluir que a Revolução Cubana é profundamente original e não é em seu fundamento original. É continuidade e parte da história da humanidade por sua emancipação, um belo e complexo capítulo desta obra coletiva que estamos a construir. Romântica e realista, rebelde e digna, costurando no corpo de seu sonho notas de ousadia profunda, mas que encontra nos caminhos áridos do real a carne de suas realizações

Bela, trágica e dura... como a vida. Terminemos por, mais uma vez, citar Silvio e seu grito de esperança e resistência: “românticos – al menos hasta el fin – imposmodernizable”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DANIEL, J. “La profecia del Che”, in Carlos Tablada Perez. Ernesto Che Guevara, hombre y pensamiento: el pensamiento econômico del Che. Buenos Aires: Antarca, 1987.

GUEVARA. E. “El socialismo y el hombre en Cuba”. Obras, tomo I, s/d.

MARX, K. Contribuição para a crítica da economia política. Disponível em http://www.marxists.org/portugues/marx/1859/01/prefacio.htm. Acesso em 27 out 2009.


*Graduado em História, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor na Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e educador no NEP 13 de Maio. Membro do Comitê Central do Partido

Comunista Brasileiro (PCB).

NOTAS:

1. Che destacava os aspectos tais como a presença do latifúndio, a dinâmica do imperialismo que deforma o desenvolvimento levando à exploração eufemisticamente chamada de subdesenvolvimento, e as condições de vida que poderiam se resumir na expressão em maiúsculas: FOME DO POVO.

Fonte: Revista Múltiplas Leituras, v.2, n.2, p. 109-120, jul. /dez. 2009.