"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

POLÍCIA PARA QUEM PRECISA DE POLÍCIA

Por Luís Domingues* no Grupo do Facebook Contra o Aumento de Passagem - Pernambuco



A questão do transporte público de passageiros na cidade do Recife e na sua Região Metropolitana é, de fato e sem dúvida alguma, um caso de polícia. Não de polícia para bater em estudantes e trabalhadores que estão protestando contra o aumento de 6,5% nas passagens, mas de polícia para quem precisa. Principalmente, para aqueles que estão desrespeitando e burlando a Lei Orgânica do Município do Recife e de outras leis da legislação municipal, bem como dos demais municípios da Região Metropolitana. 


Primeiramente, tomando como objeto de análise a Lei Orgânica do Município do Recife, ela estabelece que é competência do Município do Recife ...planejar, organizar, dirigir, coordenar, executar, delegar e controlar a prestação de serviços públicos ou de utilidade pública, relativos ao transporte público e privado de passageiros, tráfego, trânsito e sistemas viários municipais (Art. 119). Na prática, esta competência foi retirada do Município do Recife e de outros da Região Metropolitana com a criação do Consórcio Grande Recife, que passou a ditar para a região qual a política de transporte público de passageiros deveria ser implantada (antigamente era a EMTU). Hoje, o Município do Recife e sua estrutura governamental estão subordinados as deliberações e intervenções do Consórcio Grande Recife, onde a cidade só tem direito a um mero representante, ou seja, uma voz e um voto em seu Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM). Isto significa que a Prefeitura da Cidade do Recife tem menos votos no CSTM que os representantes das empresas de transporte, que no caso tem um voto com o representante do SETRANS – PE (Luiz Fernando Bandeira de Mello, proprietário da empresa Pedrosa) e mais outro com o do Vereador Carlos Alberto Gueiros, representante da Câmara de Vereadores do Recife e notório empresário do setor de transporte público de passageiros (proprietário da empresa Globo). A contradição dessa representação é que um único conselheiro representa mais de 1,5 milhão de habitantes da cidade e 2 (dois) membros do Conselho representam um pouco mais de uma dúzia de empresários das empresas de transporte público de passageiros. Ou seja, o CSTM é um Conselho para inglês vê e impor os interesses privados sobre a sociedade e a custa de seus cidadãos.


Outro ato de lesar a soberania do Município do Recife e da sua sociedade é o papel exercido pelo Consórcio Grande Recife, que foi alçado à condição de esfera de poder de deliberação e execução da política de transporte público de passageiros (um verdadeiro demiurgo, que modela e organiza as políticas de transporte público de passageiros a revelia dos municípios da Região Metropolitana do Recife). No máximo, o Consórcio deveria ser um fórum de discussão dessas políticas e, principalmente, atuar como órgão de estudos dos problemas, de produção de soluções técnicas, de prestação de assessoria e consultoria, de formulação de projetos, de assistência as soluções dos problemas e de formulação de diagnóstico dos problemas envolvendo o transporte público de passageiros, tanto para a cidade do Recife como para as outras da Região Metropolitana. Caberia a estas cidades, junto com suas estruturas governamentais e sua sociedade organizada, o poder de deliberar e executar as políticas referentes ao transporte público de passageiros. Mas nada disso está sendo encaminhado, muito pelo contrário: as prefeituras, seus cidadãos e seus organismos sociais estão sendo cada vez mais subordinadas ao poder de discussão, deliberação e execução exercido por uma dúzia de técnicos do Consórcio Grande Recife.

Ainda, em relação ao Art. 119, os seus parágrafos estabelecem o seguinte:

1º - Os serviços de transporte público de passageiros serão prestados necessariamente pelo Município, de forma direta e sob regime de permissão, nos termos da lei. 

2º - O Poder Público definirá, na forma da lei, mecanismo de avaliação popular periódica, no que diz respeito a qualidade dos serviços de transporte público de passageiros.

Com a venda da CTU, no governo Roberto Magalhães, o parágrafo 1º virou quase letra morta, ainda mais com a CTU sendo vendida para o grupo Metropolitano por uma ninharia (hoje ela a CRT). Acrescente a isto que as atuais concessões possuem um prazo de validade a perder de vista, independente de as empresas estarem ou não cumprindo com as obrigações estabelecidas, como: frota de ônibus por linha, condições do ônibus, cumprimento dos horários, segurança dos veículos etc. Caso algumas dessas obrigações fossem averiguadas e avaliadas, a maior parte das concessões seriam suspensas imediatamente à luz dos contratos firmados e da lei. Esse papel o Grande Consórcio Recife não exerce e as prefeituras ou não tem poder ou estão constrangidas a exercer-lo. 
Quanto ao 2º parágrafo, talvez nossos netos venham um dia a usufruir o direito de avaliar a qualidade dos serviços prestados pelas empresas de transporte público de passageiros. Por enquanto, este direito é uma tabula rasa. Não conheço, e quem conhecer ganha um doce, nenhum mecanismo de avaliação periódica da qualidade dos serviços de transporte público de passageiros disponível para a sociedade. Mas, sendo uma lei, esse mecanismo deveria ser instituído imediatamente e o diagnóstico auferido deveria ter força suficiente para orientar e impor os parâmetros e protocolos das discussões, deliberações e execuções das políticas públicas relacionadas ao transporte público de passageiros. Só cabe nos organizar e nos mobilizar junto às instâncias da Prefeitura da Cidade do Recife e do Judiciário para fazer valer este direito e fazê-lo ganhar força e consistência.

Ainda temos mais. É só averiguar os princípios do Parágrafo Único, do Art. 120, da mesma Lei, e analisá-los, como demonstramos abaixo:
Serviço público de caráter essencial
Serviço público de caráter essencial foi seqüestrado pelas empresas de transporte público de passageiros e está à mercê de seus ganhos e rentabilidades.

Prioridade à circulação de pedestres e de coletivos urbanos.
A prioridade dada no Recife e nas cidades vizinhas têm sido para a circulação do veículo particular (viadutos, avenidas, estacionamentos etc.) em detrimento da circulação dos coletivos urbanos.
Para os passageiros a realidade é cruel quando eles têm que usufruir de paradas e terminais de ônibus em péssimas condições e andar por calçadas esburacadas, colocando em risco a sua integridade física.

Compatibilizar o serviço de transporte e uso do solo.
Quando as vias e logradouros apresentam alguma dificuldade ao trânsito dos ônibus, o passageiro vai ter que se virar e andar distâncias para pegar seu ônibus. Por outro lado, as linhas ligando bairros e logradouros entre si são raras, obrigando o passageiro a tomar dois e até três ônibus para se deslocar de um bairro para outro, mesmo eles sendo vizinhos.

Promover integração física, operacional e tarifária entre as diversas modalidades de transportes.
Isto tem se resumido simplesmente a política de reajustes das tarifas. Nunca vimos uma ação no sentido de redução de tarifas em virtude das péssimas condições de serviços ofertadas pelas diversas modalidades de transportes.

Pesquisar alternativas mais eficientes ao sistema.
A única pesquisa feita tem se pautado em garantir equipamentos eficazes para a cobrança da tarifa dos usuários e transformar os ônibus em verdadeiras gaiolas e cercados, nas quais o passageiro possa ser vigiado e controlado em sua circulação no interior do veículo.
As câmaras de vigilância não são para os marginais, mas para vigiar o usuário.

Regulamentar e fiscalizar o uso dos sistemas viário.
Neste caso, quem é regulamentado e fiscalizado é o passageiro.

Como tomamos conhecimento No que aqui foi exposto, poderíamos indagar quem está burlando, fraudando e descumprindo as leis relativas à política que deveria ser instituída para o transporte público de passageiros? A resposta poderia ser: são as exacerbações dos poderes do Consórcio Grande Recife, a subordinação a esta e omissão impetrada pelas prefeituras do Recife e da Região Metropolitana do Recife, a conivência do Governo do Estado e o conluio entre as empresas de transporte urbano. A lei e as leis estão a favor dos trabalhadores e estudantes, mas elas são desvairadamente desrespeitadas e convertidas em coisa morta. Neste sentido, quem precisa de polícia são eles; quem precisa sentir o peso da justiça são eles; quem precisa carregar o peso da admoestação são eles.

Nós não temos só o direito reivindicar um preço justo para as passagens, mas temos muitos mais direitos em relação ao transporte público de passageiros. E isto não está sendo contemplado. Portanto, cumpra-se a lei e polícia para quem precisa de polícia.

POLÍCIA PARA QUEM PRECISA DE POLÍCIA
(*) - Luís Domingues é Professor adjunto da UNICAP

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