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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Recordista em libertações, empresa é reformulada e muda de nome

Grupo EQM substitui a Destilaria Gameleira pela Destilaria Araguaia. Modernização tecnológica e trabalhista justificam decisão da empresa. Em junho de 2005, operação do grupo móvel libertou 1003 pessoas escravizadas na fazenda

Reprodução


Palco da maior libertação de escravos da história recente do país, com 1003 pessoas de acordo com o governo federal, a Destilaria Gameleira fará parte da recém-criada Destilaria Araguaia a partir deste sábado (27). Localizada no município de Confresa, nordeste do Mato Grosso, a Gameleira se tornou conhecida nacionalmente após quatro operações de fiscalização encontrarem condições degradantes de trabalho em sua fazenda de cana-de-açúcar. As reincidentes fiscalizações levaram a destilaria a ser inserida na “lista suja” do trabalho escravo, organizada e mantida pelo governo federal – posteriormente, o nome foi suspenso por decisão judicial. A empresa discorda da versão governamental e nega que tenha utilizado mão-de-obra escrava.

A Destilaria Araguaia continuará sendo uma das usinas de açúcar e álcool sob a direção do grupo EQM. Incorporará as atividades da Gameleira – que ficará responsável pela moagem da cana. Para reverter a imagem negativa que se associou ao nome “Gameleira” depois dos escândalos, o empresário Eduardo de Queiroz Monteiro comprou a parte da fazenda que pertencia à sua família, adquiriu mais terras, ampliou as instalações e trocou o nome da propriedade. Eduardo é irmão de Armando de Queiroz Monteiro Neto (PTB-PE), presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A nova fazenda terá 22 mil hectares, dos quais seis mil serão cultivados, alcançando a produção de 35 milhões de litros de álcool por ano.

O grupo EQM atesta que tudo vai ser avançado, inclusive o tratamento dispensado aos funcionários. Instalações modernas, não só para fabricar álcool, mas também para o conforto dos trabalhadores. Anunciou que vai cumprir todos os aspectos da lei, inclusive as regulamentações do trabalho rural da norma NR31. Promete que vai garantir para os 240 trabalhadores fixos e 750 temporários alojamentos decentes, alimentação balanceada servidas em restaurantes móveis e, o mais importante, carteira assinada e todos os direitos.

De acordo com a empresa, haviam confirmado presença no evento deste sábado uma tropa política de peso que inclui dois governadores, Blairo Maggi (MT) e Marcelo Miranda (TO), e um ex-governador, Jarbas Vasconcelos (PE) – estado onde está a sede do grupo econômico que controla a Destilaria Araguaia.

Pressão econômica

Grandes distribuidoras de combustível cortaram contratos com a Gameleira, no ano passado, após ficarem sabendo que comercializavam com uma empresa que estava na “lista suja” do trabalho escravo do governo federal. A relação, atualizada semestralmente, mostra pessoas físicas e jurídicas que cometeram esse crime e tiveram seus processos administrativos transitados em julgado dentro do Ministério do Trabalho e Emprego.

Após empresas como Ipiranga e Petrobrás afirmarem que não comprariam mais combustível da destilaria, o então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE) fez uma “consulta” com o objetivo de descobrir por que o álcool da Gameleira não estava mais sendo adquirido. Segundo ele, essa ação foi realizada a pedido de deputados federais. Na época, a repercussão na imprensa e junto à sociedade civil do comportamento do parlamentar agindo em prol da iniciativa privada foi bastante negativa.

A suspensão nos acordos comerciais entre a Gameleira e as distribuidoras aconteceu após elas terem conhecimento de levantamento que identificava a cadeia produtiva do trabalho escravo no país. A pesquisa, solicitada em 2004 pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, serviu de embasamento para que fosse firmado o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, iniciativa do Instituto Ethos de Responsabilidade Social e da Organização Internacional do Trabalho. O Pacto, assinado no dia 19 de maio em Brasília, já conta com cerca de 80 signatários, incluindo grandes empresas como Coteminas, Carrefour, Pão de Açúcar, Wal-Mart, Votorantin, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.

A pesquisa aponta que a Galemeira comercializava com a Ipiranga, Petrobrás, Shell, Texaco, Total e PDV, fornecendo combustível principalmente para as regiões Norte e Nordeste. Dessas, Ipiranga, Petrobrás, Shell e Texaco assinaram o pacto. No dia 11 de maio de 2005, os advogados da família Queiroz Monteiro conseguiram uma liminar na Justiça do Trabalho suspendendo o nome de sua fazenda da "lista suja", base da cadeia produtiva. Contudo, signatários mantiveram a interdição de compra, como a Ipiranga. Fontes dessa empresa revelaram que a decisão da companhia seguiu determinações do pacto e é coerente com uma conduta de ética e de responsabilidade social.

Libertação recorde

Em junho de 2005, uma operação do grupo móvel de fiscalização do MTE, que contou com a participação do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal, libertou 1003 pessoas escravizadas da fazenda. A ação ocorreu após denúncias que envolviam violência física contra os peões.

“A situação aqui é horrível. Há superlotação dos alojamentos, que exalam um mau cheiro insuportável. A única água que recebe tratamento é aquela que vai para as caldeiras e não para os trabalhadores. A alimentação estava estragada, deteriorada. O caminhão chega jogando a comida no chão. Pior do que a comida que se dá para bicho, porque esse pelo menos tem coxo”, afirmou Humberto Célio Pereira, auditor fiscal do Trabalho e coordenador do grupo móvel de fiscalização.

De acordo com ele, todas as características confirmaram a existência de escravidão contemporânea, do aliciamento ao endividamento e à impossibilidade de deixar o local. Os trabalhadores foram levados de Pernambuco, Maranhão e Alagoas, iludidos pelas falsas promessas de salários e boas condições de serviço dadas pelos “gatos” (contratadores de mão-de-obra a serviço da usina). Ninguém recebia salário e era obrigado a comprar tudo da cantina da empresa, com preço acima do mercado. Os gastos eram anotados para serem descontados do pagamento final – sempre menor do que o combinado pelo “gato”. Devidos às péssimas condições de saneamento e higiene, não raro ficava-se doente. Contudo, até o soro recebido nas crises de diarréias era descontado dos peões. A fazenda Gameleira já havia sido flagrada outras três vezes por fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego. Em uma dessas ações, 318 pessoas foram libertadas.

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