"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

domingo, 5 de janeiro de 2014

O significado teórico-político da aliança entre PSDB e PSB em Pernambuco.

Essa semana, em Pernambuco, uma notícia que já aparecia há muito no horizonte foi concretizada. A aliança entre PSB e PSDB. Inicialmente parece ser algo paradoxal, um partido que se diz socialista e defende uma “Nova política” (PSB) e o outro que é socialdemocrata no nome, mas neoliberal na prática e conta com fortes tendências proto-fascistas, bastando ver seu governo no estado de São Paulo. A despeito das aparentes diferenças ideológicas, os dois partidos, que terão candidatos diferentes para presidência da república - Eduardo Campos pelo PSB e Aécio Neves pelo PSDB - representa a mesma coisa. A mesma coisa no sentido de representarem a mesma classe, a continuidade do modo de produção capitalista na sua face neoliberal. 

Reprodução

Para explicar esse aparente paradoxo, ou seja, como dois partidos aparentemente diferentes podem representar a mesma classe, o mesmo projeto político, teremos que recorrer a algumas categorias da teoria política marxista. Acreditamos que as famosas incoerências partidárias, o famoso fisiologismo político e todos os casos de corrupção na política não podem ser explicados com em análises individualizantes, moralistas e idealistas. As explicações para esses fenômenos estão assentadas nas bases do sistema político capitalista e na correlação de forças da luta de classe. 

Antônio Gramsci (1891-1937) foi um grande teórico e dirigente comunista, criador das categorias “pequena política” e “alta política”. Gramsci, seguindo o método do materialismo histórico, considera que as estruturas políticas da democracia burguesa não são naturais, eternas e imutáveis. Ao contrário, são produtos das relações de produção vigentes, superestruturas que podem ser mudadas ou mantidas a depender da correlação de forças entre as classes em luta. Sendo mais claro: existe um antagonismo irreconciliável entre Capital e Trabalho, entre “ricos” e “pobres”, e o atual Estado é um Estado de classe, dominado pela burguesia, que visa – em última instância – a manutenção das relações de produção vigentes (ou seja, manutenção da propriedade privada dos meios de produção), mantendo a dominação sobre os trabalhadores, camponeses e camadas médias proletarizadas. Isso acontece na monarquia ou na democracia republicana. Embora a forma política do Estado seja fundamental na escolha da estratégia e tática de ação dos trabalhadores, não podemos nunca esquecer que: 
“nós somos partidários da república democrática como sendo a melhor forma de governo para o proletariado sob o regime capitalista, mas andaríamos mal se esquecêssemos que a escravidão assalariada é o quinhão do povo mesmo na república burguesa mais democrática” (LENIN, 2007, p. 37) 
Pois bem, dito isso podemos agora entender melhor as incoerências do sistema eleitoral do Brasil. O principal objetivo das classes dominantes é manter os trabalhadores sob controle, com ideologia e prática política reformista ou apática, caso contrário a permanência do capitalismo estaria ameaçado. Para tanto é indispensável mostrar os efeitos terríveis da dominação capitalista, como a falta de educação e saúde para as classes trabalhadoras, como resolvíveis através da escolha periódica de partidos e governantes que têm como propostas políticas a “melhora” de alguns aspectos da dominação capitalista, mas que não questionam o sistema em sua totalidade. Nesse sentido, as disputas políticas, a correlação de forças – para manutenção da dominação burguesa – devem ficar presos a aspectos “cosméticos” da ordem, não questionando sua essência. Quando as classes dominantes conseguem fazer com que os trabalhadores sejam dominados pela “pequena política”, que sejam reformistas e/ou passivos frente à dominação que sofrem estamos num momento de hegemonia política da burguesia. Mas vamos deixar mais claro o que é a “pequena” e a “alta política”: 
“Grande política (alta política) – pequena política (política do dia a dia, política parlamentar, de corredor, de intrigas). A grande política compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre diversas frações de uma mesma classe política” (COUTINHO, 2011, Apud GRAMSCI, 2002, p. 125) 

Gramsci não poderia ser mais claro. A predominância da “pequena política” é uma vitória burguesa (uma espécie de “alta política burguesa”), é quando partidos e políticos da mesma classe lutam para ocupar a máquina do Estado, mas no fundo defendendo o mesmo projeto, com apenas diferenças pontuais. A partir daí podemos entender alianças aparentemente contraditórias, entre PT, PSDB, PSB. Entre Marina Silva e Ruralistas. O PT e o PSDB, os dois maiores partidos do Brasil, são “adversários”, mas não porque tenham projetos de sociedade completamente diferentes. Pelo contrário. A essência do projeto é a mesma. A manutenção do capitalismo em sua face neoliberal. As diferenças são pontuais, táticas, acessórias. É como o partido Democrata e Republicano nos Estados Unidos. Dois partidos que representam a mesma classe, o mesmo projeto de manutenção da ordem burguesa e que se revesam no poder como gestores dessa ordem. É o que o filósofo italiano Domenico Losurdo chama de “monopartidarismo competitivo”. 

Portanto, compreendendo a “profundidade” do sistema político do capitalismo, assentado nas suas relações de produção, nós da UJC não nos surpreendemos com alianças espúrias e “contraditórias”. Em todas as eleições elas aparecem e vão aparecer mais ainda. A questão é, antes de tudo, perceber as raízes do fenômeno e como reagir frente a ele. 

Uma alternativa radical à “pequena política”. 

A imobilidade do atual sistema político é mais ou menos claro para toda população. Os protestos que atravessaram o país ano passado deixaram isso explícito. Porém, existem alguns erros táticos cometidos depois dessa constatação. Alguns grupos sectários puxam como palavra de ordem o “boicote eleitoral” ao que eles chamam de “farsa eleitoral”. Eleição, em última instância, não passa de um método de escolha dos ocupantes de cúpula do sistema político vigente. O problema do imobilismo do sistema político brasileiro, da manutenção da dominação burguesa travestida de democracia, não está nas eleições diretamente. Claro que financiamento de campanha, o poder do dinheiro comprando candidatos, a corrupção, etc, são elementos intrínsecos do sistema político burguês, mas a questão é muito mais profunda; muito mais estrutural. 

A questão está na correlação de forças desfavorável. O reformismo e a apatia presente em parte considerável da classe trabalhadora. O papel dos comunistas nessas eleições em Pernambuco e no Brasil é lutar para combater o reformismo e a apatia na classe trabalhadora, usar o memento das eleições como forma de propaganda e agitação. Combater o discurso hegemônico; propagar uma contra-hegemonia socialista como forma de criar o Poder Popular. 

O PCB vem chamando a constituição de uma frente anticapitalista e anti-imperialista junto com o PSOL, PSTU e movimentos sociais; uma frente de partidos, organizações e movimentos sociais que visa contrabalançar a “pequena política” presente, o cretinismo parlamentar; ser instrumento na construção da autonomia histórica da classe trabalhadora para destruir a dominação burguesa. Na construção desse Poder Popular o atual sistema político deve ser dialeticamente atacado por seu caráter classista, elitista e reacionário; ao mesmo tempo, devemos usar o momento das eleições e a conquista de eventuais cargos eletivos como forma de forçar ao máximo os limites do aparelho estatal, como forma de trazer as massas para a luta política, de direcionar as políticas públicas do Estado no interessa das massas, das classes trabalhadoras e não de meia dúzia de capitalistas e rentistas. 

Na luta para modificarmos a correlação de forças e na construção do Poder Popular é de suma importância o impulsionamento de pautas históricas como a reforma agrária, reestatização da Petrobras sobre controle dos trabalhadores, desmilitarização da PM, etc., para com isso fortalecermos a participação política dos trabalhadores, sua consciência de classe e sua autonomia histórica, para a partir daí – porém focando sempre o trabalho de base no seio das massas, visando a construção da possibilidade de rupturas revolucionárias, pois não temos nenhuma dúvida que só a revolução socialista com a tomada do poder político pelos trabalhadores do campo e da cidade é que porão termo as mazelas do capitalismo – podermos iniciar a construção de uma alternativa radical à “pequena política” intra-burguesa de Eduardo Campos (PSB), Aécio Neves (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e todos os seus partidos burgueses aliados. 

Jones Makaveli , militante da UJC 

Obras citadas.
V. I. Lênin. O Estado e a Revolução. Expressão Popular, São Paulo, 2007. 
Carlos Nelson Coutinho. De Rousseau a Gramsci. Boitempo Editoral, São Paulo, 2011.


[Esse é um texto para a seção Crônicas Vermelhas, onde os militantes da UJC/PE opinam, comentam, debatem sobre diversos temas. Para acessar o conteúdo Crônicas Vermelhas basta acessar no "arquivo do blog por temática" a temática Crônicas Vermelhas, ir na página formação ou destaques, ou clicando no marcador dessa postagem.]

Nenhum comentário:

Postar um comentário