"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Capital produtivo versus capital financeiro: a falácia do bom capital

É muito comum em várias organizações de esquerda a sustentação da falácia de que existe um capital ruim, só especulativo, que não produz nada (o “capital financeiro”) e um capital bom, produtivo, que gera emprego, que desenvolve o país (o “capital produtivo”). Vou tratar rapidamente do quanto essa ideia é errada e o quanto sua adoção pode gerar consequências políticas horríveis para quem pretende lutar pelo socialismo.

Reprodução

No início do desenvolvimento capitalista, na Europa do começo do século XIX, era possível fazer uma diferenciação maior entre as diversas frações do capital. Ao fim desse século começa a haver um processo de concentração, fusão, cartelização e monopolização da economia. Lênin em seu clássico “Imperialismo: etapa superior do capitalismo” mostra, com uma série enorme de dados estatísticos, essa concentração monopolística da economia. Ao final do XIX e nas primeiras décadas do XX já tínhamos uma configuração de algumas dezenas de empresas gigantes, com sede em vários países, dominando setores estratégicos da economia e estendendo suas malhas pelo mundo através do imperialismo neocolonial (dominação militar, exportação de capitais, abertura a força de mercados, etc).

Lênin ao analisar os novos fenômenos do capitalismo percebeu que uma nova fração do capital se tornou a dominante, o capital financeiro. Capital financeiro para Lênin e a maioria dos teóricos marxistas é a junção entre capital bancário e capital industrial, com a primazia do primeiro, que de simples intermediário passa a ter o controle da atividade econômica do mundo, detendo capacidade de investimentos e quantidade de capital suficiente para subjugar várias economias aos seus desígnios. Ou seja, capital financeiro é a junção entre capital bancário e industrial na fase monopolística do capitalismo, são “produtivos” e “especulativos” ao mesmo tempo. Antes de ir ao próximo ponto cumpre destacar que podemos considerar o conceito “produtivo” do capital de duas formas: capital que faz o intercâmbio orgânico com a natureza mediado pelo trabalho e produz valores de uso (conteúdo material da riqueza), e; capital não importando a forma com que produz mais-valia. Para o capital, ambos são “produtivos”.

Nos pós-segunda guerra mundial os movimentos de libertação nacional e a ampliação do campo socialista soviético imprimiram limites à expansão do capital. Com a derrota dos primeiros e a queda do segundo, o capital expandiu-se de uma forma violenta e dominou todo globo sem muita resistência. A partir daí, o processo de fusão de capitais, financeirização da economia e aumento da monopolização estava completo (os processos de privatização da era neoliberal ampliaram muito a concentração da economia do mundo em algumas transnacionais). O capital financeiro nunca foi tão forte. Portanto, é um absurdo alguém achar (como faz o PT até hoje e Randolfe Rodrigues, quando candidato a presidente pelo PSOL) que existe uma separação rígida entre “capital financeiro” e “capital produtivo”. Aliado a isso temos alguns problemas:

       (a) Se confunde capital bancário-rentista com financeiro. O capital que vive de renda da bolsa, que vive de juros de títulos públicos (em pequenas e médias quantidades) e empréstimos de baixo risco (como o consignado) não é a mesma coisa que o capital financeiro que estende seu poder por vários ramos da economia e tem forte controle sobre todo processo produtivo. O Grupo Odebrecht, por exemplo, controla portos, aeroportos, construção civil, atividades financeiras, química pesada, mineração e produção de energia. É rentista e “produtivo” ao mesmo tempo. Na verdade, é um grupo clássico de tipo capital financeiro descrito por Lênin. Reduzir os juros de uma economia combate o rentismo, mas não o capital financeiro.

      (b) Mesmo o capital industrial de matriz mais “nacional”, ligada ao mercado interno e dependente de subsídios estatais para não se engolido pela concorrência internacional não é contra o capital financeiro. Florestan Fernandes na sua teoria do capitalismo dependente já mostrou de forma cabal que em países como o Brasil a burguesia “nacional” tem contradições pontuais com o imperialismo, mas nenhuma contradição fundamental. Pelo contrário, a burguesia “nacional” é parte do instrumento de dominação do imperialismo. Nicos Poulantzas por outros meios chegou a uma conclusão parecida com a de Florestan: a burguesia interna de países dependentes tem certos atritos com o imperialismo, mas não contradição fundamental.

Ou seja, é impossível atacar apenas o capital financeiro e preservar o capital produtivo, “o capital bonzinho”. No Brasil, a grande maioria das grandes indústrias de transformação – como a automobilística – são transnacionais totalmente integradas e dependentes ao mercado mundial financeirizado. O máximo que o capital industrial da burguesia interna apoia é uma política de redução de juros e subsídios ao setor “produtivo”, mas associações como a FIESP não apoiam uma auditoria da dívida pública e o cancelamento de seu pagamento, pois isso seria uma medida que poderia ameaçar todo o sistema de reprodução do capital e seria prejudicial para todas as indústrias dado seu grau maior ou menor de dependência do imperialismo.

Para terminar e em resumo: defender que existe uma separação rígida entre capitais, que existe um capital “bom” (produtivo) e “ruim” (financeiro, que na verdade é o bancário-rentista) foi um dos principais passos do PT para defender uma aliança com a burguesia interna contra o “capital financeiro” e o resultado todos sabemos. Lamento ver quadros importantes do PSOL defendendo a mesma ideia falaciosa. Cumpre por fim destacar que as experiências atuais da Argentina, Venezuela, Equador e Bolívia mostram que não se pode atacar setores rentistas e algumas transnacionais sem comprar briga com o conjunto da burguesia. Já perdemos muito com as ilusões da “revolução democrático-burguesa”. Não vamos reeditar essa besteira de forma mais vulgar.

Por Jones Makaveli, graduando em História pela UFPE, pesquisador do NEEPD e militante da UJC.

[Esse é um texto para a seção Crônicas Vermelhas, onde os militantes da UJC/PE opinam, comentam, debatem sobre diversos temas. Para acessar o conteúdo Crônicas Vermelhas basta acessar no "arquivo do blog por temática" a temática Crônicas Vermelhas, ir na página formação ou destaques, ou clicando no marcador dessa postagem.]

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