"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

quinta-feira, 27 de junho de 2013

A escola-berço do nazismo no filme "A fita branca"

Alemanha - PGL - [José Paz Rodrigues] A crise social e económica que está a sofrer especialmente o denominado mundo ocidental, pode levar-nos infelizmente a uma perigosa encruzilhada. Como já aconteceu noutras épocas, aflorando todo o tipo de extremismos e fundamentalismos, muitos deles violentos.


Existe um importante caldo de cultivo para a aparição de grupos políticos de extrema-direita, seguindo os infames modelos do nazismo e o fascismo. Por isto é importante que os estudantes de todos os níveis do ensino, de forma adequada, sejam informados dos perigos a que nos podem levar de novo estes movimentos atentatórios contra as liberdades, a vida e o espírito democrático que deve sempre reinar. Informando também sobre que não existe a geração espontânea, e que o que acontece é produto das situações em que os cidadãos se encontram nesta altura com uma elevada taxa de desemprego, uma corrupção imensa e o aumento das desigualdades sociais. A propósito deste importante tema escolhi para o meu artigo da série um filme bastante recente, que ilustra como nasceu o nazismo na Alemanha no seu momento. Produto de um determinado modelo educativo autoritário, que no nosso país agora amostra muito bem o projeto da lei educativa que o atual governo quer implantar quase de imediato, se não formos capazes de o impedir. Desconhecemos quais são as mentes pensantes de tal engendro, por isso só conhecemos o projeto como “Lei Wert”. A de um inefável ministro que deixa ficar bem todos os ministros anteriores, incluídos os dos quarenta anos franquistas, e mesmo o próprio Rajói, que por um tempo também foi ministro da educação.
Crédito: Diário da Liberdade

Entre 1918 e 1938, o mundo viveu um período chamado “entreguerras”: vinte anos que separaram as duas grandes guerras mundiais. Com o fim da Primeira Guerra, em 1918, a Alemanha, derrotada, encontrava-se numa profunda crise. Para sair da guerra e manter o que restou de seu exército, assinou um acordo de paz chamado “Tratado de Versalhes”. Esse tratado, além de responsabilizar a Alemanha pela Primeira Guerra, proibia o país de fabricar armas, tanques e aviões; obrigava à devolução de territórios conquistados e a redução do exército alemão, além de exigir o pagamento de uma indemnização aos países vitoriosos, pelos danos de guerra. Essas imposições criaram na Alemanha um clima de revanchismo e revolta, por parte da população que se estava sentindo humilhada. No final da guerra, o regime monárquico do Kaiser (imperador) caiu, dando início à“República de Weimar”. Em 1917, a Rússia, comandada pelo socialista Lenine, derrubou o governo do Czar Nicolau II e instaurou uma nova forma de governo: o comunismo. Os países que baseavam as suas economias no capitalismo e na exploração do trabalhador viram-se ameaçados. Uma onda de movimentos antidemocráticos surgiu no cenário mundial, com o intuito de conter o crescimento do comunismo. Na Itália predominava o fascismo; em Portugal, o salazarismo; na Espanha, o franquismo; e na Alemanha, o nazismo.

A ideologia nazista

A palavra nazismo vem de Nazi, que é a abreviação de Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, que de socialista não tinha nada. O seu líder era Adolf Hitler e o partido adotou como símbolo a “suástica”, um símbolo de origem indiana, que na Índia tem valor positivo e pacífico, todo o contrário que na Alemanha nazi. Estando Hitler em prisão, escreveu um livro que se tornaria a cartilha para o nazismo: “Mein Kampf” (A Minha Luta). Nesse livro, Hitler defendia a hegemonia da raça ariana, alegando que a Alemanha só se reergueria quando os povos se unissem “num só povo, num só império, num só líder”. Outras etnias, como judeus e negros, deveriam ser executadas. Hitler não gostava de judeus, pois afirmava que a Primeira Guerra só fora desastrosa por conta da traição dos judeus. Além do ódio que tinha contra outras etnias como a cigana. Para executar as suas ordens, foram criadas as Seções de Assalto (S.A), as Seções de Segurança (S.S.) e a Gestapo (polícia secreta). Os alemães viam em Hitler uma salvação para a crise que o país enfrentava. Rapidamente o partido cresceu. Agricultores, jovens, soldados, em todas as classes, tornaram-se adeptos do novo partido. Com a crescente do partido, o presidente alemão Hindenburg, amedrontado, ofereceu o cargo de chanceler a Hitler, que instaurou uma política de repreensão contra os seus opositores: os líderes comunistas foram presos em campos de concentração e, posteriormente, executados. Em agosto de 1934, o presidente Hindenburg morreu e Hitler assumiu o cargo máximo, sem abrir mão do seu cargo antigo. Criou o Terceiro Reich (império) e proclamou-se Führer (líder, em alemão). A sua primeira medida como ditador foi a execução de milhares de judeus, comunistas, homossexuais, negros e outros nos campos de concentração. Esse episódio ficou conhecido como “Holocausto”. Uma figura fundamental na difusão do nazismo foi Joseph Goebbels. Hábil orador, cineasta e agitador, Goebbels foi nomeado ministro da propaganda nazista. Além de censurar os veículos de imprensa, Goebbels fazia filmes que alienavam a população, com promessas de um mundo melhor, com a supremacia ariana. Controlava a rádio, a televisão e os jornais, divulgando os seus filmes e discursos panfletários em prol do nazismo. E em 1939, teve início a Segunda Grande Guerra, que já sabemos como terminou.

Quando falamos a respeito da ideologia nazista, não temos a clara perceção de que os seus anseios respondiam à demanda de uma classe social específica. O seu discurso tinha uma natureza heterogénea que tentava mobilizar o maior número de partidários possíveis. Contudo, não nos podemos esquecer de destacar que esse mesmo movimento político trazia consigo a eleição de certos inimigos a serem combatidos. Sobre o particular é muito interessante a reflexão do historiador brasileiro José Jobson de Andrade Arruda, com relação à origem do movimento nazista quando diz:“O Partido Nacional-Socialista não é burguês, nem proletário, encontramos, em torno de um grupo de fanáticos, uma massa de hesitantes, de desesperados, de jovens ambiciosos, de proletários inteletualizados de antigos burgueses que não desejavam ver o avanço dos comunistas (...). A todas essas categorias disparatadas, o nacional-socialismo oferecia um programa heterogêneo, prático e atraente; aos pequenos produtores, a luta contra os grandes proprietários; aos trabalhadores, o trabalho e a manutenção do salário; aos empregados, o freio à racionalização; aos comerciantes, a limitação da concorrência; aos devedores, a abolição da escravidão aos juros; a todos, a oposição à intervenção estrangeira, a renovação do estado alemão, a vida “com honra” e o primado racista da luta contra os judeus.”
Por meio desta citação, os alunos podem entender que o nazismo não simbolizou a vitória de um grupo social que passaria a determinar as ações e medidas que conduziriam o Estado. O triunfo dos nazistas só aconteceu porque, em meio a tantas mazelas, o surgimento de uma solução redentora acabou alimentando as esperanças de uma população arruinada pelo descontrole da economia capitalista.

Ficha técnica do filme:

Título original: Das Weisse Band (A Fita Branca).

Diretor: Michael Haneke (Alemanha-Áustria-França-Itália, 2009, 145 min., a preto e branco).

Roteiro: M. Haneke. Fotografia: Christian Berger. Som: Fabienne Chalendard e Vincent Guillon.

Diretora artística: Anja Müller. Montagem: Monika Willi.

Produtoras: Wega Film, Les Films du Losange e X-Filme Creative Pool.

Prémios: Palma de Ouro no Festival de Cannes (2009). Melhor filme, diretor e roteiro da Academia de Cinema Europeu (2009).

Atores: Christian Friedel (o mestre da escola), Ernst Jacobi (mestre antigo), Leonie Benesch (Eva), Ulrich Tukur (o Barão), Ursina Lardi (a Baronesa), Fion Mutert (Sigmund), Michael Kranz (o tutor privado), Burghart Klaussner (o Pastor), Steffi Kühnert (Anna, esposa do Pastor), Maria-Victoria Dragus (Klara), Leonard Proxauf (Martin), Levin Henning (Adolf), Johanna Busse (Margarete), Thibault Sérié (Gustav), Josef Bierbichler (o camareiro), Gabriela Maria Schmeide (Emma, mulher do camareiro), Janina Fautz (Erna), Enno Trebs (Georg), Theo Trebs (Ferdinand), Rainer Bock (o Doutor), Roxane Duran (Anna, filha do doutor), Susanne Lothar (a Parteira), Eddy Grahl (Karli), Branko Samarovski (o Labrego), Birgit Minichmayr (Frieda), Aaron Derkel (Kurti), Detlev Buck (pai de Eva) e Carmen-Maja Antoni (a que lava os cadáveres).

Argumento: 1913-1914. Estranhos acontecimentos, que pouco a pouco tomam caráter de castigo ritual, têm lugar numa pequena povoação protestante do Norte da Alemanha. Quem está detrás de tudo isto? As crianças e adolescentes do coral do colégio e da igreja dirigido pelo mestre, as suas famílias, o barão, o encarregado, o médico, a parteira, e os labregos conformam uma história que reflete sobre as origens do nazismo nas vésperas da Iª Guerra Mundial. Uma série de ações violentas, que conforme se sucedem tomam a aparência de castigo ritual, desconcertando os vizinhos da povoação. A partir destes factos o realizador tenta mostrar-nos a atmosfera que reinava na Alemanha quando os que tinham vinte ou trinta anos, no momento de explodir a segunda grande guerra, tendo crescido à par do ascenso nazi, eram só umas crianças ou adolescentes. O diretor do filme, retrotraindo-se uns anos, deixa de lado as consequências das exacerbadas condições económicas impostas pela “Paz de Versalhes”, o desespero do desemprego, a inflação, a fame, no povo alemão, assim como os sentimentos de exaltação teutona salvadora que surgiram à par, e nos mostra outro fator não excludente, como possível causa dos acontecimentos futuros: o clima asfixiante, a opressão de todo o tipo (sexual, religiosa, económica e a que se lhes ocorra), que viveram na etapa mais maleável, os que depois iam ser assassinos, cúmplices, delatores, entes silentes ou inclusive detratores e vítimas.

A escola autoritária da infância do nazismo:

O narrador que conta a história deste filme, que se passa nos anos que antecedem à primeira grande guerra, é um antigo professor da escola de uma pequena cidade alemã. Na narração inicial, na voz do professor, já idoso, informa que ele quer narrar aqueles acontecimentos porque eles explicariam o que depois aconteceu na Alemanha. A alusão ao nazismo é mais que evidente. O que provoca até mesmo hoje muito interesse e mobiliza os nossos ódios e compaixões. Assim este filme tão interessante retrata “o ovo da serpente” e o faz com uma produção impecável. No mesmo sucedem-se numerosos acidentes e momentos de violência. O pastor protestante da cidade é logo revelado como um déspota que espanca os seus filhos. O médico tem relações incestuosas com a filha, uma relação sadomasoquista com uma parteira, sua vizinha, talvez se tenha livrado da sua esposa, para ficar com a parteira, e provocado acidentalmente o retardamento mental de Kali, o filho da parteira, que na verdade, sugere-se, era dele também. Esta terrível figura do doutor faz-nos lembrar, hoje, que a classe dos médicos foi a que proporcionalmente mais membros tinha no partido nazista. O filme amostra esta aliança perversa entre curar, cuidar, controlar e matar. O médico, que tem a nossa “vida nua” em suas mãos, controla-a para o bem e para o mal. A figura do pai labrego também é violenta com um dos seus filhos e termina por suicidar-se, diante da impossibilidade de se revoltar contra a sua situação humilhante, derivada da sua posição de servo do barão. O seu filho, que se tenta revoltar, consegue apenas destruir alguns repolos da propriedade do barão, numa cena muito bem montada que interrompe a festa do final das colheitas. As crianças são apresentadas como manifestações nuas do mal que elas recebem de seus pais. Os acidentes e incidentes que acontecem na cidade, tendemos a atribui-los a essas crianças. Um deles é mostrado, quando uma criança rouba a flauta da outra e atira o colega num lago, quase matando-o afogado. Esta violência infantil amostrada é identificada com a da infância do nazismo, misturando filogénese e ontogénese, o que nos lembra Freud. O diretor aborda o universo da “maldade”, que normalmente acompanha as histórias infantis, para projetá-lo e lê-lo no interior da família-aldeia. Não nos podemos esquecer que aquele é o momento do nascimento da psicanálise e da “descoberta” da sexualidade-maldade infantil.

O barão acaba sendo pouco iluminado neste filme, sobretudo tendo em conta o seu papel central na pequena comunidade em que a história transcorre. Apesar de autoritário com a sua esposa, está longe de ser o déspota que as demais figuras paternas do filme encarnam. Diferentemente dos demais homens poderosos do filme, o barão escuta a esposa e esta “ousa” contar-lhe sobre o seu outro relacionamento. Ele vai acompanhar o enterro do labrego que se suicida, demonstrando que é “liberal”. Já as mulheres são apagadas, submissas e objetificadas. A baronesa tenta libertar-se deste papel justamente porque tem um marido conversável. A ideia é, evidentemente, retratar os papéis sexuais da época. A sexualidade reprimida, como acontece em Martin, filho adolescente do pastor, que é atado para dormir, com o fim de “não cair em tentação”, brota de modo violento. Freud justamente destacara em que medida sexo e morte andam de mãos dadas. A exceção é o professor narrador. Ele é apresentado como uma figura aparte daquele universo de brutalidade. Localizando-se entre as classes sociais e entre os grupos etários, apesar de servir de ponte entre o grupo de crianças seus alunos e os seus pais (autoridades da aldeia), ele é alguém que sabe conversar de modo ponderado e respeita os outros. Numa ocasião, ele obedece e evita avançar sexualmente sobre a sua namorada que diz não querer aquilo naquele momento, que o mostra como decente e “civilizado”. É esta figura quase pura do narrador que provoca que com ele possamos identificar-nos. O mal que domina aquele povo, alegoria dos alemães, termina, graças a este narrador, sendo uma caricatura. O nazismo é novamente patologizado e colocado em uma redoma. A própria ideia de querer explicar o nazismo por meio desse retrato das perversões que ocorrem nesta localidade germânica, perversões, de resto, bem frequentes em qualquer lugar naquela e em outras épocas, é um projeto merecedor de reflexão.

Numa das mais interessantes e paradigmáticas cenas do filme, já quase no final, o pastor protestante comenta: “Teremos que procurar uma gaiola para o ferido”. Isto lhe comenta a um dos seus filhos, e embora o ferido seja um pássaro e o tenha nas suas mãos uma criança, com um dos rostos mais entranháveis que o cinema nos tem dado, a frase provoca uma paradoxal sacudida nos espetadores. O páter-famílias adoutrinou o seu filho, com tempo de sermão, sobre o imperativo da catividade desde a origem, para que a mesma esteja legitimada. A Fita Brancatem “o proibido” como sua lógica de fundo. Quem o assistiu, percebeu que os autores dos crimes, em torno dos quais se constrói o roteiro, eram o efeito de um tipo de educação que implicava na sua performance, ou seja, no modo de atuar dos seus agentes, uma lógica conhecida de todos nós. Aquela lógica da hierarquia em que se põe em jogo a submissão de uns a outros e, às vezes, alguma forma de revolta dos submissos no grande jogo de poder que conduz a espécie humana.

Esta lógica implica, por exemplo, a desigualdade de classe. Mas também a de género. No caso do filme, demonstram-se estes aspetos, mas surge um outro mais surpreendente e pouco trabalhado na sociedade em geral: aquele que se refere à desigualdade entre gerações. Será, assim, a questão da “idade” o locus onde desaguará o sentimento de horror aos crimes cometidos. Se a autoria dos crimes é do grupo de crianças, percebemos no desenho verossímil feito pelo diretor do filme, que os adultos são a origem do mal. São a origem do que, deste horror indizível, é o efeito de “mal-estar” causado por eles mesmos. A infância e a juventude nada mais são do que a revolta contra uma lógica pela qual não podem ser responsabilizados justamente por que não são origem do mal que cometem. Os adultos são os verdadeiros irresponsáveis, são de certo modo, infantis, porque não querem aceitar o efeito daquilo que produzem.

O proibido, portanto, não é senão o efeito de uma lógica. Esta lógica carateriza-se por um acordo. Este acordo é aquele que se dá entre o que, desde Freud, chamamos de repressão, ou aquilo que não se pode ou não se deve fazer, sobre o qual a sociedade e o que ele chamava de “superego” tem controlo; e o recalque, aquilo a que não se tem acesso de modo algum, aquilo que não sabemos de nós mesmos.


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