Mauro Luis Iasi (*)
Não se formará em 2010 a aliança eleitoral reeditando a “frente de esquerda” que disputou as eleições de 2006, e é preciso que reflitamos sobre as razões deste fato. Concordo com a recente manifestação do companheiro Badaró (“A importância da frente de esquerda em 2010, um chamado aos camaradas do PCB e PSTU”) quando avalia da importância desta tentativa em 2006 e da lógica que nos remete a buscar aglutinar as forças de esquerda e de oposição ao governo Lula e ao bloco conservador em uma alternativa eleitoral.
No entanto, há entre nós um entendimento muito diferente sobre o caráter e a forma de funcionamento desta suposta frente. Exatamente por considerarmos, nós do PCB, a importância de resistir contra o bloco conservador e suas alternativas, seja uma mais retrógrada, representada por Serra, ou outra, de Dilma, que disfarça o seu compromisso com os grandes monopólios capitalistas sob um enganoso verniz “social desenvolvimentista”, seja lá o que isso significa, é que entendemos a Frente de Esquerda como um esforço permanente de articulação política e de iniciativas que permitam o contraponto necessário ao consenso conservador.
Desta maneira, para nós, a frente de esquerda não pode se limitar a uma mera coligação eleitoral. As diferentes lutas sociais, formas organizadas ou não de resistência contra a ação predatória que o grande capital empreendeu contra os trabalhadores, foi o terreno prático no qual nos encontramos nestes anos. Na luta contra a flexibilização de direitos dos trabalhadores, contra a criminalização dos movimentos sociais, na luta pela estatização de fato da Petrobrás, na solidariedade internacional (nem todos nós, é verdade), para citar apenas algumas, constitui-se o espaço de unidade na ação das forças de esquerda e dos movimentos sociais combativos.
Infelizmente, nem do ponto de vista sindical, nem do ponto de vista político-eleitoral, esta ação comum pôde se refletir em graus mais avançados de unidade. Isto se dá, em parte, por nossas legítimas diferenças e pontos de vista discordantes sobre importantes aspectos táticos, mas, é bom frisar, também pela imposição de uma prolongada hegemonia conservadora que atinge em cheio o movimento dos trabalhadores.
Especificamente sobre a frente eleitoral, avaliando o cenário de defensiva e as possibilidades conjunturais, o PCB propôs, no início de 2009, que o melhor a fazer era dar início a um processo de reflexão e discussão programática, que, partindo de uma séria avaliação sobre o Brasil, chegasse a eixos de um programa e ao esboço de um projeto de poder que reinscrevesse o bloco proletário e popular na luta política em uma perspectiva transformadora.
Para nós, este processo só poderia ser iniciado retirando-se todos os nomes colocados e priorizando-se a discussão programática, de maneira que isto poderia levar ou não a alternativas eleitorais em 2010, mas, de qualquer forma, acumularia para a construção de uma alternativa de poder à esquerda, de médio e longo prazo, com mais qualidade e substância.
O que afirmamos, no momento, é bom que se esclareça, é isso: estávamos dispostos a participar deste esforço de reflexão e elaboração coletiva de uma alternativa programática articulada a um projeto de poder que materializasse a necessidade de independência e autonomia política dos trabalhadores frente aos desafios atuais e contra a hegemonia conservadora que se implantou no Brasil. Caso este esforço coletivo chegasse ao desenvolvimento de eixos mínimos e entendimento o suficiente para refletir tal acúmulo em uma candidatura para 2010, o PCB estaria comprometido em defendê-la. Da mesma forma, afirmamos que, caso o processo de reflexão e de mobilização pela necessidade de um programa de transformações no sentido do socialismo e de estabelecimento de um poder proletário e popular no Brasil caminhasse por uma dinâmica que fosse além das eleições, isto, para nós, não seria um problema.
Em nenhum momento vinculamos esta proposta a um nome, exatamente porque estávamos propondo um método político que pressupunha retirar inicialmente qualquer alternativa de nomes e priorizar o debate programático. E muito mais que isso, assim propusemos porque avaliamos, e acredito que estávamos corretos, que a inércia dos partidos que compunham a frente de esquerda (PSOL, PCB e PSTU) em fazer uma disputa internista para chegar primeiro a um nome para depois oferecê-lo, como alternativa aos trabalhadores e aos movimentos sociais, é um profundo erro político.
Não podemos aceitar “candidaturas naturais”, “cálculos sobre viabilidade eleitoral”, hegemonismos de nenhuma espécie ou qualquer outro critério que venha ocupar o lugar da discussão política e da construção coletiva de alternativas. Avaliávamos que os trabalhadores estão, justificadamente, cansados de ser chamados só para votar em chapas que apareciam como pratos prontos numa engenharia política que divide o tempo em 90% gastos em conspirações e acertos internos e 10% numa mera estratégia de buscar apoio eleitoral, colocando os movimentos sociais, as organizações sindicais e os trabalhadores em uma posição passiva e manipulatória.
Infelizmente, a inércia venceu a criatividade política. O PSOL mergulhou num internismo ignorando qualquer coisa que vicejasse fora dele e resolveu, primeiro, tratar de seus próprios problemas. Inicialmente, numa cruzada para convencer Heloisa Helena a manter sua candidatura por conta de sua “densidade eleitoral”. Depois do insucesso de tal empreitada, procurou substituir o personagem, mas manteve a lógica do suposto potencial eleitoral apresentando a alternativa de Marina Silva, que Badaró corretamente define como alternativa suicida, e, finalmente, numa fratricida luta interna que sangrou o partido até a definição de Plínio como candidato.
Durante este tenso processo, o PSOL só pediu uma coisa à frente de esquerda: paciência. Em nenhum momento a frente existiu como frente. Ninguém da direção do PSOL, em nenhum momento, procurou saber o que seus parceiros avaliavam da situação, em nenhum momento se realizou um balanço das experiências de 2006 que pudesse orientar a formulação de uma alternativa para 2010. Não digo no sentido de adesão à proposta por nós apresentada, mas sequer de qualquer sondagem para avaliar o que pensavam os partidos que compunham a frente. Apenas pediu-se que esperássemos.
Prezamos e respeitamos a autonomia dos partidos aliados, mas principalmente prezamos nossa autonomia. Como somos inquietos e rebeldes... não esperamos, construímos alternativas.
Os pontuais, raros e generosos contatos limitaram-se a iniciativas pessoais ou de uma ou outra tendência que antes nos inteiravam do processo conflituoso do que formulavam ideias e eixos sobres os quais pudéssemos discutir.
O resultado desta disputa interna na consagração de Plínio como candidato do PSOL é uma boa notícia e nunca escondemos nossa profunda identidade não apenas com a pessoa e o militante que é o Plínio, como, em muitos aspectos, com a maneira como partilhamos a compreensão dos desafios que enfrentamos no campo da política. No entanto, o momento e a forma como hoje se apresenta a candidatura do PSOL subverte toda a forma que propusemos no início de 2009. Apesar de ser um bom nome, é ainda um nome já dado que busca apoio e não um processo de construção coletiva que culminaria com um nome que expressasse, na disputa político-eleitoral, o acúmulo construído.
O tempo que nos separa das eleições inviabiliza, mais uma vez, uma construção programática e mobilizatória em torno da construção de uma alternativa de poder para os trabalhadores. Não nos responsabilizem pela não efetivação da Frente de Esquerda. Sua inviabilização foi construída (pacientemente) pelos erros na condução da campanha de 2006, pela incapacidade de ir além de uma mera coligação eleitoral e se constituir como expressão política possível da unidade de ação prática desenvolvida, e, finalmente, pela opção de primeiro definir no âmbito do PSOL o candidato para depois buscar o apoio dos outros parceiros da Frente.
No entanto, acreditamos que o cenário definido não inviabiliza uma ação que gere acúmulos políticos em nossa tarefa de se contrapor ao bloco conservador e na busca de uma alternativa real de poder para os trabalhadores. Continuamos convictos que precisamos iniciar um debate sobre quais os caminhos de construção desta alternativa, que para nós só tem sentido se for à esquerda e socialista, e concordamos que as eleições são um bom momento para divulgar e apresentar a necessidade deste debate.
Neste sentido estamos convencidos que a melhor forma de contribuir neste esforço é com uma candidatura própria do PCB que apresente, através de uma campanha movimento, ou manifesto, de que maneira estamos entendendo o período em que vivemos e os desafios que temos de enfrentar na perspectiva de uma revolução socialista no Brasil, assim como o papel que um Governo Popular tem nesta estratégia de transformação. Um chamamento à discussão programática e estratégica que leve à formação de uma frente anticapitalista e anti-imperialista.
Temos certeza que Plínio cumprirá com dignidade a tarefa que seu partido o incumbiu, assim como aguardamos que a linha geral de sua campanha seja de questionamento da ordem e de defesa da necessidade de uma alternativa socialista. Não sabemos se no desenho de uma alternativa ainda no campo de uma proposta democrático-popular, como é o que parece se configurar, ou mais incisivamente socialista, mas de qualquer forma uma campanha de oposição e de esquerda.
Assim é que, para nós, trata-se de duas ou três campanhas eleitorais (não por que assim definimos, não era o que queríamos, mas não fomos convidados a opinar sobre alternativas que viabilizassem a Frente), mas que podem compor uma única campanha política pela necessidade de acúmulo programático e político que nos leve a uma real alternativa de poder dos trabalhadores.
Os trabalhadores chilenos, na época da Unidade Popular, cantavam uma música na qual proclamavam que “desta vez não se trata de mudar um presidente, mas será o povo que construirá um Chile bem diferente”. Acreditamos que é chegado o momento de dar um basta nesta inércia eleitoral e começar a construir reais alternativas de mudança para o Brasil. Não somos melhores que ninguém e temos a certeza de que precisaremos de todos os revolucionários para construir esta alternativa. Apenas decidimos que já era hora de começar, e assim começamos.
*Mauro Iasi
Membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do PCB
Rio de Janeiro, abril de 2010.
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