"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

A marcha do MST e a Mídia em Pernambuco


A marcha do MST e o público (ainda) refém das linhas editoriais

Cátia Oliveira e Ivan Moraes


Dia de cão no Recife”, diz a manchete do Jornal do Commercio nessa manhã de terça-feira. Adiante, na matéria sobre o assunto, no caderno Cidades, o título também não alivia: “MST invade o Recife e trânsito fica caótico”.


“O caos agora virou rotina” é a chamada da capa do Diário de Pernambuco sobre mesma Marcha do MST, movimento que paralisou algumas vias do Recife ontem, por duas horas, como estratégia para tornarvisível sua pauta de protestos. Dentro do DP, a matéria é intitulada“Cidade refém de Protesto mais uma vez”. “Sem Terra fecham vias dacapital”, é destaque, capa do caderno Grande Recife, da Folha dePernambuco.


Os títulos dos jornais já dão mais que uma pista do que encontraremosno texto: o “fetiche do trânsito” se sobrepondo à reivindicações dedireitos fundamentais.


A “explicação técnica” pode até fazer sentido. De tiragem que circulaos 30 mil exemplares, os três grandes jornais pernambucanos são lidos principalmente por pessoas de classe média urbana, que locomovem-se decarro e que vêem no livre acesso às vias uma questão muito mais relevante que a morosidade no processo de reforma agrária. Esquece-se, porém, alguns jornalistas quando confundem o “interesse público” com o“interesse do público”.


As coberturas feitas pelos jornais parecem separar as pessoas em duascategorias: os que têm seus direitos ameaçados por esperarem em um engarrafamento e aqueles que infringiram os direitos dos que estão nosveículos. Uma questão que muitos poderiam achar importante, como aprópria situação da reforma agrária, passa longe do foco principal.


Os três jornais fazem opção clara por focar a paralisação do trânsitoe o atraso causado pelo protesto, ao invés de esforçar-se para explicar os motivos que levaram os manifestantes às ruas e o teor dasreivindicações como: atualização dos índices de produtividade dos latifúndios, a dotação orçamentária prevista para o Incra, para açõesde reforma agrária entre outras questões.


Sem voz


Além do Jornal do Commercio nenhum outro jornal publica qualquer depoimento de militantes da base sem terra que participaram doprotesto. Parece que falta a curiosidade de perguntar: “o que faz o senhor sair de sua casa para vir até aqui parar o trânsito?” Commilhares de pessoas nas ruas, certamente respostas interessantes viriam à tona. Mas a essa gente, como regra geral, não foi dado odireito à palavra. Não pertencem à classe que fica parada no trânsito.


E o outro lado? Há quanto tempo muitas dessas pessoas esperam por verdireitos garantidos? Os depoimentos das pessoas presas no trânsito ede agentes do estado são sempre privilegiadas em detrimento das falas de lideranças do MST ou participantes manifestantes. Também em menor número. Na Folha de Pernambuco há quatro falas se posicionando deforma contrária ao protesto, que antecedem a fala de Jaime Amorim,dirigente do MST em Pernambuco.


No Diário de Pernambuco, há três falas contrárias ao protesto – umadelas de tom legalista, que tenta deslegitimar a manifestação. A última (e isso é sintomático) frase do texto é uma declaração de Cássia Bechara (do MST), sobre o direito de protestar.


Onde estaria o equilíbrio que reza a cartilha de ouvir ambas as partesde forma igualitária? Mesmo sendo a imparcialidade um mito, é importante que a diversidade de visões sobre um mesmo acontecimento seja relatada por quem pretende fazer o bom jornalismo.


Informação e opinião


Apesar do titulo que flerta com o sensacionalismo, a reportagem do Jornal do Commercio é quem faz uma cobertura mais informativa eequilibrada, procurando trazer no primeiro parágrafo os motivos damanifestação. Contudo, não desenvolve-os e muitas vezes refere-se às ocupações como “invasões”. O JC também não “foge à regra” ao fomentara divisão entre categorias. Mesmo que tenha colhido forte depoimentode lado sem voz, o jornal também publica uma fala emblemática de umasenhora transeunte: “Eles deveriam protestar contra o governo e não contra a população”, diz a entrevistada.


Fica claro que o jornal evidenciou o fato dos observadores da manifestação se sentirem um grupo à parte, como se militantes semterra também não fizessem parte da população.


Nos três jornais, as motivações do protesto acabam tornando-se vaziase, dentro do contexto da reportagem, servem apenas para que o leitor reflita apenas sobre o “principal problema”, que é o trânsito dacidade.


Dessa forma, quem é mesmo que se torna refém de quem?


O MST e a polifonia do pensamento único

*Ana Veloso


Sim, eles podem esperar 500 anos para ter seu direito humano a umpedaço de terra para viver e plantar, mas, os/as motoristas do Recife não podem “perder” duas horas em um engarrafamento por conta do protesto mais do que justo do Movimento dos Sem-Terra. Até que ponto a sociedade pernambucana não concorda com a polifonia do pensamento único que apenas aponta uma realidade parcial acerca do MST: de que são baderneiros, invasores, destruidores e vagabundos? As capas dos jornais do dia seguinte à manifestação pela reforma agrária demonstram essa reprodução do preconceito e de uma imagem criada com base em um instante de toda a luta histórica de um movimento social. Momento que fica cristalizado no imaginário popular e que atravessa e constrói, até de forma até violenta, o campo da ordem simbólica.


Afinal, quais são os critérios de noticiabilidade da imprensa? Comcerteza, não são meramente técnicos! Por qual razão, a mídia prefereignorar as bandeiras desse protesto, descontextualizando toda aorganização desses/as trabalhadores do campo e expondo-os pinçando um instantâneo da sua trajetória? O abril é vermelho! Mas, o único ponto abordado pelas pessoas, nas ruas, foi o engarrafamento. Um protesto que “abalou” o cotidiano daquelas pessoas que vivem no universo wireles. Explico: seres que habitam em um ambiente climatizado, onde a internet é comum a todos/as e a realidade é plasmada por essas duas características da cibernética sociedade do consumo.


Os meios de comunicação, ao tratar o assunto como um produto a mais na prateleira do seu “museu de grandes novidades”, desconhecem quevivemos em uma sociedade-encruzilhada, conceito de Martín-Barbero(1987) que ajuda a entender os processos comunicacionais e sociais nos quais estamos inseridos/as: “Sobrecarregada tanto pelos processos detransnacionalização quanto pela emergência de sujeitos sociais e identidades culturais novas, a comunicação está se convertendo num espaço estratégico a partir do qual se pode pensar os bloqueios e as contradições que dinamizam essas sociedades-encruzilhada, a meio caminho entre um subdesenvolvimento acelerado e uma modernização compulsiva”.


Mas, os “novos sujeitos” para conviver nessa “fauna” precisam ter uma“identidade discreta”. O universo das realidades parciais funciona mais ou menos assim: você pode até ser do MST, desde que não ouse reclamar publicamente. Finja que não é trabalhador explorado, expropriado dos seus direitos. Se o fizer, que seja no seu “gueto”. A mesma máxima vale para os gays e lésbicas. Nada pode abalar o consensofabricado em torno de uma realidade também construída. Nada que traga a “paixão pelo real” à tona, como diz Slavoj Žižek.


Ainda assim, fica difícil compreender por qual razão, na vida desses motoristas, pedestres e passageiros do Recife, que emergem como representantes dessa sociedade multifacetada, eclética, wireles ecimatizada, não cabe pensar sobre a importância política, social, material e simbólica que envolve o ato do MST!


*Jornalista, colaboradora do Centro das Mulheres do Cabo, doutoranda emComunicação pela Universidade Federal de Pernambuco e empreendedorasocial Ashoka

2 comentários:

  1. É anti-democrâtico a comunicação ficar nas maõs de grupos capitalistas.
    Midia livre é midia publica.

    ResponderExcluir
  2. Concordo camarada, só não podemos nos iludir com essa mídia corporativa e burguesa, devemos fortalecer os meios de comunicação alternativos como rádios comunitários, jornais dos movimentos sociais e partidos políticos (de esquerda). Tudo que possa ser um bloco contra-hegemônico.Como William Bonner já falou: "colocamos um elefante numa caixa todo dia", e bem sabemos que manifestações populares só ganham destaque se alguém quebrar algum ônibus, pixar uma parede, enfrentamento com a polícia, se não for assim...NÃO VENDE! não que o público não tivesse afim de ler notícias como essas, mas porque nem o direito de optar por ler ou não ler não os têm, pois a mídia corporativa é tendenciosa e anti-democrática (pode se entender isso como pleonasmo).
    Saudações comunistas!

    ResponderExcluir