"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

sexta-feira, 7 de maio de 2010

AS DAMAS DE BRANCO SÃO UMA MONTAGEM CENOGRÁFICA...

Enrique Ubieta:

Publicado em 27 de Abril de 2010

Fernando Arrizado

Vieiros / Rebelión

Na terça-feira passada, dois dias depois da multitudinária marcha que ocorreu no centro de Compostela para denunciar a “farsa informativa sobre Cuba”, Enrique Ubieta visitava a capital galega. O escritor e jornalista cubano, responsável pela publicação A rua do meio e ex-diretor da Cinemateca Cubana, proferiu uma conferência e se reuniu com várias associações do país. O objetivo: levar ao conhecimento de todos a realidade da ilha, que difere da imagem apresentada pelos meios de comunicação europeus, especialmente os espanhóis, sobretudo, após a morte de Orlando Zapata, a enésima greve de fome de Guillermo Fariñas e as frequentes manifestações das Damas de Branco.
Vieiros: Guillermo Fariñas: vai morrer, pode morrer, não se importaria de morrer?
Enrique Ubieta: A presença midiática de Fariñas na grande imprensa mundial realça sua figura de pré-mártir – que ele assume, algo insólito num herói de verdade – o que provoca é uma estimulação, uma incitação à morte. Eu não posso interpretar o que ele pensa. O perigo é que pode morrer inclusive contra sua vontade, porque no organismo humano há um ponto de retorno que não é capaz de determinar nem o próprio grevista. Por outro lado, faz falta perguntar com que capacidade física uma pessoa que leva mais de 50 dias em greve de fome pode estar falando todos os dias na imprensa. Poderia não ser tão estrita. Porém o principal deste tema é que pode ocorrer um acidente, porque está sendo incentivado e a própria imprensa dificulta uma possível retratação dele.

Porém os médicos tentariam evitar...
Do ponto de vista ético, a Convenção de Malta estabelece que não se pode alimentar pela força uma pessoa que se nega a fazer por vontade própria. Fariñas permitiu ser alimentado, no hospital, pela via parenteral, porém só a via oral garante que um ser humano sobreviva.
O que poderia acontecer a nível político se ele morresse?
A nível interno, absolutamente nada. Isto pode soar insensível, porém no momento em que saí de Cuba, ele estava no hospital Santa Clara, todo o povo da cidade estava na final do Campeonato Nacional de Pelota (beisebol) e em Havana havia mais 200 mil pessoas dançando no concerto da Rua 13. Isso é o que estava ocorrendo em Cuba, não o que a imprensa internacional mostra.
Com relação ao que mostram as mídias, as Damas de Branco ocupam jornais e programas de televisão com manchetes que anunciam a perseguição que estão sofrendo pela Polícia cubana...
As Damas de Branco são uma montagem cenográfica. A direita vem aprendendo com as fórmulas de expressão da esquerda, como as Mães da Praça de Maio, autênticas lutadoras pela memórias de seus filhos e netos, torturados, assassinados... Em Cuba, não há nem torturados nem assassinados. As pessoas que estão encarceradas foram julgadas por tribunais segundo as leis. Tomam mulheres de pessoas que trabalharam para subverter a ordem constitucional – coisa que também é punida pelo código penitenciário espanhol –, as vestem de branco – uma cor associada à paz e à pureza – colocam umas flores e as levam à igreja católica que é um cenário perfeito para que sejam vistas na Europa. Assim, quando estão preparadas, dizem: “câmeras, ação!”. E aí, está a CNN, a TVE.... O que vocês estão vendo é um filme de ação que tem como personagens principais, fora das telas, os diplomatas europeus e norte-americanos que pagam os produtores do filme.
E a chamada oposição cubana?
São pessoas que não saíram de nenhum sindicato, de nenhum grupo. Nunca foram líderes de nada, nem têm contato e estão enraizados na população. Portanto, não representam nenhum setor. São individualidades que se reúnem nas embaixadas estrangeiras. Além disso, são financiados com fundos declarados do governo de Obama: 200 milhões de dólares. Opositores são outros; meus vizinhos e eu passamos a vida discutindo política. Mas isso é outra coisa. Não são eles que estão sendo pagos para subverter a ordem constitucional de Cuba.
A esquerda europeia vive um eterno debate moral entre apoiar ou condenar o sistema cubano...
Se a esquerda aceita como boas as definições de “democracia”, de “direitos humanos”, de “liberdade” alardeadas pela direita, sua margem de compreensão e de posicionamento no mundo é nula. Essa é uma esquerda que vem sendo pré-fabricada pela direita. Eu não sei como é possível que alguém que se diga de esquerda, aceite como forma de conduta o cânone que a direita estabeleceu de como deve ser um esquerdista politicamente correto. Com o tempo, esse esquerdista politicamente correto será mais um pedaço do próprio sistema capitalista e não produzirá nenhuma mudança real.
“Cuba é uma ditadura”, argumentam. O que é?
Em Cuba não existe uma ditadura. Existe uma democracia que não é igual a que existe no Estado espanhol, porém é mais autenticamente democrática. No Estado espanhol existe a ilusão de liberdade, de pluralidade que faz com que a imprensa se multiplique, com aparentes políticas editoriais diferentes, mas que na essência é a mesma. Se você ler El País, o ABC, El Mundo, pode apreciar que nos problemas fundamentais – não nos periféricos do sistema – eles possuem a mesma política editorial. São pontualmente de direita e estão marcando pautas de direita. A liberdade de expressão é um processo de ilusionismo.
Porém é certo que em Cuba só há um partido político...
Aqui há um sistema bipartidarista PSOE-PP. São parte do próprio sistema. São diferentes maneira de entender como tornar eficiente esse sistema e representar alguns dos interesses diferentes dentro da “pluralidade”, entre aspas, desse sistema. A única vez que no Estado espanhol se produziu um acidente a essa democracia, com a República, rapidamente surgiu o fascismo. A alternância do poder entre PP e PSOE é ilusória. É uma alternância de pessoas e métodos para reproduzir o sistema capitalista, não para alterá-lo.
Existe muita confusão ao redor do sistema eleitoral cubano. Como o povo elege seus representantes?
Acaba de recomeçar, há alguns dias, todo o processo eleitoral. Primeiro, se elegem delegados do bairro, de maneira direta e aberta. A gente conhece os vizinhos e propõe aqueles que consideramos mais capazes de representar nossas demandas. Os delegados eleitos constituem a Assembleia Municipal. Daí, saem mais de 50% das propostas para deputados e delegados dos conselhos provinciais, que são escolhidos pela população por via de voto direto e secreto. Portanto, mais da metade dos deputados da Assembleia Nacional – que é a que elege, finalmente, o presidente do país – são pessoas saídas dos bairros. A porcentagem restante são propostas de sindicatos, de federações, de instituições.
Um sistema melhor ou pior que o nosso?
É um sistema que não joga a favor daqueles que possuem mais dinheiro, quem é mais bonito ou simpático, que não olha se uma pessoa se divorciou faz três meses ou tem um amante. Se trata de que pessoas mais capacitadas cheguem ao governo. Eu, pessoalmente, creio que ainda é necessário melhorá-lo. Mas, sem dúvida, o sistema eleitoral cubano é o melhor. É algo que podemos discutir. O que não se pode dizer é que em Cuba não há um sistema democrático.
Nos últimos dias, dois conhecidos artistas, Silvio Rodríguez e Pablo Milanés, tradicionalmente defensores da Revolução, reclamaram “mudanças”. Também Raúl Castro anunciou “mudanças”.
Estão, realmente, ocorrendo mudanças?
O país sempre esteve mudando. A Cuba de 1970 não se parece em nada com a de 1990, nem com a atual. Este ataque feito pelos meios de comunicação às mudanças ocorridas nos anos anteriores, está relacionado ao interesse da direita em mudar Cuba. A ideia é convertê-la num país capitalista, num país pobre do Terceiro Mundo, subordinado aos interesses do grande capital. Isso é algo que nenhum cubano tem em mente . Inclusive, Pablo disse que estava se referindo às mudanças anunciadas por Raúl Castro. No caso de Silvio Rodríguez, manipularam sua entrevista. Num discurso totalmente a favor da Revolução, deram ênfase à palavra “mudança” para colocá-lo como opositor ao processo. Na realidade, é uma palavra que os cubanos falam a toda hora.
Em que consistem essas mudanças?
O principal objetivo é fazer com que a economia seja mais eficiente, fazer com que as pessoas saibam quanto custa tudo aquilo que recebem por parte do Estado. Que o que não trabalha, “passe fome”, entre aspas, para que aprenda a valorizar os benefícios que tem. Existe um processo em que, necessariamente, terá que reverter a pirâmide invertida herdada do período especial, os anos mais duros, onde a gente, segundo a frase do marxismo, oferecia o que nossa capacidade permitia e recebia o equivalente. E deste ponto de vista social, fazer uma melhor utilização do sistema democrático cubano para que a gente possa ter mais participação na vida do país.
Você acredita que a campanha midiática de “desprestígio” que vocês denunciam está além de Cuba? Atualmente, a preocupação é maior com Chávez do que com a própria Revolução Cubana?
Não. Eu acredito que as duas coisas preocupam. Cuba é o escudo moral da América Latina. Tudo o que ocorreu na América Latina nos último anos é graças à Cuba, que foi capaz de resistir 50 anos de perseguições. Porque está aí, porque é um caminho alternativo visível que não fracassou, apesar do bloqueio econômico e de todas as dificuldades. Um país que elevou a expectativa de vida para 77 anos, que tem níveis de mortalidade infantil e materna de Primeiro Mundo. Que tem mais médicos – em cifras, não comparativamente – que a Grã-Bretanha. Com um milhão de universitários, sem analfabetismo, quando, por exemplo, em Sevilha, no Primeiro Mundo, a metade da população não possui o título de bacharel e existem 37 mil pessoas que não sabem ler e escrever... Um país de Terceiro Mundo bloqueado que vem conseguindo todas essas coisas não é um país fracassado. Isso é muito importante para a América Latina. Sem o referencial de Cuba, o processo revolucionário seria diferente. A ausência de Cuba seria um golpe duríssimo não somente para a esquerda da América Latina, mas para o mundo todo.

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