"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

quinta-feira, 24 de março de 2011

DIVAGAÇÕES SEM DEVANEIOS: REFLEXÕES SOBRE A REALIDADE

(24/03/2011)

* Alcides Campelo A. Junior

Nessa crônica irei discorrer entre diversos temas buscando manter certa relação entre os mesmos, apesar de alguns não terem nenhuma correlação direta. Serão divagações, mas sem devaneios. Na verdade, muitos questionamentos, críticas e conjecturas. Vamos aos fatos.

Se pararmos para perceber como alguns acontecimentos ficam em evidência, e se tornam principais notícias dos meios de comunicação e principais assuntos nas rodas de diálogo da população, veremos que, a depender da profundidade da problemática, tais notícias ficam em média de uma a duas semanas ou um pouco mais em destaque. E assim as “grandes notícias” se alternam. Recentemente, o foco era a “revolta do mundo árabe”, com o tsunami que devastou parte do território japonês a ênfase agora está neste acontecimento (mais precisamente na conseqüência desse fenômeno, em especial o perigo nuclear). E é justamente a partir desses temas que começaremos a discorrer.

O mundo voltou os olhos para a região norte da África e Oriente Médio, local que se tornou palco recente de vários levantes populares, com o maior êxito das reivindicações no caso egípcio. Nos noticiários mais recentes o país em evidência agora é a Líbia. Cabe desde já ressaltar que, apesar de se combinarem num processo de onda de protestos de parte da população com seus governos, deve-se diferenciar o caso da Líbia e do Egito.

É perceptível uma onda de protestos, e sinceramente fico contente com exemplos de povos que lutam por mudanças. Cabe o respeito à autodeterminação desses povos, como no caso da “revolta do mundo árabe”. Lembro ainda a onda de protestos na Europa contra as ofensivas neoliberais (Portugal, Grécia, França, etc.). Isso deixa explicito a força das massas unidas em prol de um ideal: “o povo unido jamais será vencido!”. Com organização e mobilização popular pode se conquistar muita coisa.

No caso da Líbia não entrarei em análises profundas do que acontece por lá, mas darei atenção a alguns fatos que passam quase despercebidos.

Muito me intriga ver na Líbia uma oposição tão bem armada, com tanques e até um caça, o qual chegou a ser abatido pelas forças de Kadafi. Parece que já estavam bem preparados para o levante!!! Como conseguiram em tão pouco tempo tantas armas sofisticadas, tantas munições? Não cabe questionar quem de fato são esses civis? Vocês já pararam para pensar como foi possível esses opositores se armarem tão rapidamente (e muito bem armados, diga-se de passagem)? Lembrem que as imagens do movimento popular egípcio mostravam que a população ia a Praça Tahrir, no Cairo, sem munição alguma, e todos os conflitos com os súditos de Mubarak se realizava a base de pedras e punhos. Portanto, não se surpreenda caso estoure notícia de que há inúmeros infiltrados da CIA na Líbia, financiando, treinando e organizando parte dessa oposição.

Muita me intriga também o papel da ONU. Relembrando as aulas de história no que se refere ao IMPERIALISMO, destaca-se a “descoberta da América” e as formações de colônias no “novo” continente no século XVI, o chamado neocolonialismo do século XIX com dominação e exploração de territórios na África e Ásia. São processos em que determinados países exercem controle de forma imperialista em territórios ao redor do mundo, e sob pretextos variados: divulgação do cristianismo, civilização, progresso tecnológico, etc. A ONU exerce um papel de mascarar o verdadeiro caráter da brutalidade das invasões imperialistas. E a preponderância é dos EUA em sobreposição ao papel exercido pelos países europeus em outrora. Sob o pretexto de guerrear contra o terrorismo a invasão ao Afeganistão, sob a justificativa de achar armas nucleares (não encontradas, cabe relembrar) do ditador Saddam Hussein no Iraque invadiram esse país, sob motivos de ajuda humanitária ocupa-se o Haiti, e agora sob a desculpa de defender a população civil de um país em conflito interno cria-se uma zona de exclusão aérea (só para Kadafi, e não para a oposição armada) e bombardeia-se a Líbia, que sem dúvidas atingirá a população civil desse país (como já vem sendo exibido nas reportagens). Contra-senso? Apenas para os ingênuos! Uma pergunta necessária é: qual o objetivo dos EUA/OTAN para com a Líbia, a paz naquele território? Fico com as seguintes possibilidades: além do petróleo, ampliação do domínio geopolítico naquela região, ofensiva neoliberal ainda maior naquele país, dentre outras em que pode se ter certeza que em pouco ou nada contribuirá para a melhoria de vida da população da Líbia.

Cabe deixar explicito que não estou a favor de Kadafi, a população Líbia é que deverá conduzir as devidas mudanças em seu país, e não forças estrangeiras, ainda por cima com uma política beligerante em que nada contribuirá para a efetivação da paz naquele território. Condeno também a forma que a mídia hegemônica mundial aborda o assunto, justificando a ação da OTAN e fazendo a população mundial entender que esses bombardeios são um “mal necessário”.

A principal ameaça do mundo hoje não é o Irã com Ahmadinejad, não é Kadafi e outros ditadores. A grande ameaça da humanidade está no ganhador Nobel da Paz, Barak Obama e Cia terrorista-imperialista/S.A., que ao invés de acabar com a guerra (ou saque) no Afeganistão envia mais soldados. Na verdade o mal é o CAPITALISMO. É justamente para manter esse modo de produção gerando lucros exorbitantes que ocorrem esses conflitos, mas, obviamente, tudo sob a “defesa” dos direitos humanos, da luta anti-terrorista, da ajuda humanitária, do progresso, em nome da democracia, e nunca pelo petróleo, pelos diamantes, pelo ouro, pela prata, pelo saque imperialista. Afinal, em termos de cinismo eles são campeões. Lembrando do “profeta” Gentileza: gentileza gera gentileza! Coisa que os países imperialistas capitaneados pelos EUA não sabem do que se trata, eles aprenderam, na verdade, que: Guerra gera Lucro! E que mentira repetida torna-se verdade!

Adentrando agora num dos recentes acontecimentos mais badalados: o caso da tsunami no Japão e o perigo nuclear. O que pretendo enfatizar é justamente a ameaça de um acidente nuclear no Japão, devido à tsunami ter atingido a Usina Fukushima Daiichi o que ocasionaram falhas no resfriamento dos reatores da Usina nuclear e subseqüentes explosões.

O governo brasileiro planeja implantar quatro usinas de energia nuclear até 2030, sendo duas na região Sudeste e duas no Nordeste. A expectativa é que uma delas venha para Pernambuco, mais precisamente em Itacuruba por reunir melhores condições para implantação de uma Usina Nuclear.

Diante dos acontecimentos do Japão, um alerta se deu em todo o mundo. Em Pernambuco, o governo estadual afirma que não é hora de se debater esse assunto, por causa da sensibilização do que ocorre no país nipônico. Esse é justamente um momento crucial para a sociedade debater sobre tal fonte energética. É mesmo interessante se investir nesse tipo de energia num país de dimensões continentais com grande costa litorânea? Num país com grande oferta de luz do sol durante todo o ano? Portanto, a energia solar e eólica não são as mais convenientes para o Brasil?

Já que falamos de Pernambuco, venho aqui anunciar que a lenda da cidade El Dorado é realidade, ela encontra-se entre os municípios do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca, região metropolitana do Recife, mais precisamente em Suape. Na verdade não se tem ouro, porém tem coisa mais valiosa: boa oferta de mão de obra barata, isenção de impostos, altas taxas de lucro, crescimento a nível chinês. A El Dorado do início do Século XXI está aqui, e “Os estrangeiros eu sei que eles vão gostar tem o atlântico tem vista pro Mar” (Cláudio Roberto/ Raul Seixas).

Se na época da ditadura militar existia o “milagre econômico”, podemos dizer que essa tônica voltou só que a nível regional. Esse milagre agora é pernambucano e dança frevo. Para tristeza dos apocalípticos esse crescimento não irá frear na curva adiante, seguirá em plena velocidade por mais algum tempo. Para uma região carente de grandes investimentos, sem dúvidas o Complexo Industrial Portuário Suape mudou a vida da população, gerou muitos empregos, oportunidades de trabalho, e por isso mesmo tem muitos padrinhos, cada político que tente registrar esse filho promissor em seu nome.

Mas Suape não é só maravilhas da lenda da cidade coberta de ouro (El Dorado), tem suas contradições inerentes em que pouco se debate e se evidencia – Afinal que pai quer falar dos defeitos do seu filho? Não tenho problema nenhum em apontá-los: a mão de obra mais qualificada em sua maioria é de fora de Pernambuco; populações que vivem da pesca naquela região são duramente afetadas devido ao impacto ambiental do porto de Suape; crescente desmatamento; aterramentos de mangues; os operários são extremamente explorados.

E vimos em caso recente (Fevereiro/2011) quando trabalhadores entraram em greve por reivindicar melhores condições de trabalho, quem deveria estar aliado aos trabalhadores (Sindicato dos trabalhadores da construção pesada - SINTEPAV) estava do lado da classe patronal, um dos trabalhadores levou um tiro no rosto, a repressão contra os operários foi intensa. Esses trabalhadores têm jornadas de trabalho extenuantes e muito além de 44 horas semanais devido às horas extras, e há forte incidência de acidentes de trabalho. Foi registrado recentemente crescimento do número de acidentes de trabalho em Pernambuco (Para conferir crônica a respeito desse assunto clique aqui). Isso permite indicar que a fórmula do sucesso do crescimento econômico é baseada em largos subsídios estatais, forte exploração da classe trabalhadora e grande repressão aos mesmos em caso de mobilização e sem nenhum compromisso ambiental. A lógica do complexo de Suape é tal qual um campo de concentração e/ou lavouras de monocultura na época da escravidão no Brasil, ou seja, trabalhador que ouse reivindicar é sinônimo de trabalhador que ouse ser demitido, ameaçado e até baleado.

Os trabalhadores de Suape da luta não querem se retirar, e novas paralisações ocorreram. Mais de 30 mil trabalhadores estão em greve, dentre os 13 pontos de reivindicações 02 deles os trabalhadores não abrem mão: 100% de hora extra aos sábados e R$ 160,00 de vale-alimentação. A partir da “mediação do Ministério Público conseguiu reajuste de R$ 80 para R$ 130 no vale-alimentação e o pagamento de 70% para 80% do valor da hora extra aos sábados” (Diário de Pernambuco, 23/03/11). Dá para perceber quão baixo é o valor do vale-alimentação, os R$ 80,00 (pago atualmente) dividido por uma média de 20 dias de trabalho no mês é equivalente a míseros R$ 4,00 por dia. Devido a grande jornada de trabalho com carga excessiva de hora-extra eles não abrem mão de hora extra a 100%. Afinal, precisam ter “o tempo livre de ser, de nada ter que fazer” (trecho da música: Capitão de Indústria. Autoria: Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle). Os trabalhadores precisam mais que dormir, acordar, comer, viver para trabalhar. É em situações como essa em que o trabalhador se encontra perdido nas coisas que ele criou (adaptação do trecho da mesma música).

Se o complexo industrial de Suape é muito mais valioso que uma cidade mítica repleta de ouro, destaca-se, porém, que a fonte de riqueza, nesse caso, não é apenas um recurso para exploração, os trabalhadores rebelam-se, não são como máquinas ou recursos naturais que não pode exigir um mínimo de condicionalidades para serem explorados. Ao refletir sobre isso lembro o título de uma poesia de Mauro Iasi em que diz: “quando os trabalhadores perderem a paciência!” (poesia na íntegra no final do texto).

Todo apoio aos trabalhadores de Suape! Quem ousa lutar, na verdade, ousa vencer!

QUANDO OS TRABALHADORES PERDEREM A PACIÊNCIA

(Mauro Iasi*)

As pessoas comerão três vezes ao dia
E passearão de mãos dadas ao entardecer
A vida será livre e não a concorrência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Certas pessoas perderão seus cargos e empregos
O trabalho deixará de ser um meio de vida
As pessoas poderão fazer coisas de maior pertinência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

O mundo não terá fronteiras
Nem estados, nem militares para proteger estados
Nem estados para proteger militares prepotências
Quando os trabalhadores perderem a paciência

A pele será carícia e o corpo delícia
E os namorados farão amor não mercantil
Enquanto é a fome que vai virar indecência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Quando os trabalhadores perderem a paciência
Não terá governo nem direito sem justiça
Nem juizes, nem doutores em sapiência
Nem padres, nem excelências

Uma fruta será fruta, sem valor e sem troca
Sem que o humano se oculte na aparência
A necessidade e o desejo serão o termo de equivalência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Quando os trabalhadores perderem a paciência
Depois de dez anos sem uso, por pura obscelescência
A filósofa-faxineira passando pelo palácio dirá:
"declaro vaga a presidência"!

(*) Alcides Campelo A. Junior é militante do PCB e direção estadual da UJC em Pernambuco.

[Esse é um texto para a seção Crônicas Vermelhas, onde os militantes da UJC/PE opinam, comentam, debatem sobre diversos temas. Para acessar o conteúdo Crônicas Vermelhas basta acessar no "arquivo do blog por temática" a temática Crônicas Vermelhas, ir na página formação ou destaques, ou clicando no marcador dessa postagem.]

Nenhum comentário:

Postar um comentário