"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Cresce o número de acidentes de trabalho em Pernambuco: por quê será?

Cresce o número de acidentes de trabalho em Pernambuco: por quê será?

Alcides Campelo A. Junior*

Dia 24 de Novembro de 2010, 47ª semana do ano. Século XXI. Estado de Pernambuco, Brasil. Um dia a mais em nossas rotinas. Ao assistir a segunda edição do telejornal da Tv Globo local: NETV, me deparei com uma reportagem que logo na chamada inicial do telejornal me chamou atenção, trata-se de matéria referente ao crescimento de acidentes de trabalho em Pernambuco, “Só em 2010 foram registrados 51 mortes; número de acidentes de trabalho cresceu 27% no ano passado, em relação a 2008. Algo, no mínimo, assustador que, talvez, tenha passado quase como indiferente aos inúmeros tele espectadores do NETV. 


A reportagem acaba sendo um golpe aos patrões menos preocupados com a saúde e segurança dos trabalhadores, e acrescenta: “A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego alerta as empresas para que reforcem as normas de segurança, evitando novos casos.”.  

Tudo que faça reduzir os lucros dos capitalistas é visto como uma pedra no meio do caminho que deve ser imediatamente retirada. Custos com saúde, segurança e bem-estar do trabalhador são algumas de tantas outras pedras nesse caminho dos lucros capitalistas. Todavia, é necessário e útil aos patrões a garantia de algumas mínimas condições de trabalho, e fazem disso, inclusive, mistificação da relação conflituosa entre capital e trabalho. Como? – é simples! Basta utilizar de linguagem encantadora, com fins de cooptação dos trabalhadores. Isso não parece tão nítido para uma parcela do conjunto da classe trabalhadora. Alguns elementos dessa cooptação está em termos já conhecidos e até mesmo assimilados (e essa é a intenção) pelos trabalhadores, que agora são os “associados”, “colaboradores” ou qualquer outra expressão que tenha conotação de apelo participativo e de integração dos que vendem sua força de trabalho aos que compram e exploram essa força. Mais adiante retornaremos a essa discussão.

Como já descrito acima, é tanto custo quanto benefício os gastos com a qualidade de vida do trabalhador. É custo, pois as empresas devem investir cada vez mais em benefícios e programas sociais, e isso é fruto tanto das lutas dos trabalhadores para assegurar essas conquistas (parciais, limitadas, mas não deixam de ser conquistas importantes) quanto de estratégia do capital em “pacificar” os mesmos. É benefício ao capital, pois trabalhadores com boa saúde são como máquinas bem conservadas, podem produzir mais, e lembrando que a força de trabalho é uma mercadoria como outra qualquer com a diferenciação especial de gerar mais valor, portanto, a fonte de lucro dos patrões deve ter no mínimo algumas “manutenções” periódicas, acrescentando a isto parcos “incentivos” à produtividade e uma forte cooptação ideológica com discursos de cooperação.  Como afirma Márcia Hespanhol Bernardo (2009): “Trabalho duro, discurso flexível”. Vai depender de cada empregador se é válido investir no bem-estar do trabalhador de forma acentuada, se em muitos casos ele pode extrair alta produtividade dos mesmos sem necessariamente conceder-lhes benefícios, não se esquecendo que isso também vai depender da correlação de forças entre trabalhadores e patrões em cada instituição, a organização/mobilização da classe trabalhadora pode influir na relação do poder institucional.

Nesse momento, talvez você esteja se perguntando: “mas o que tudo isso tem a ver com o tema central da matéria do telejornal?” Aparentemente nada. Na imediaticidade do cotidiano, e intensa compressão de um aglomerado de notícias subseqüentes dos telejornais, quando acaba uma reportagem já se inicia outra e não dá tempo nem do trabalhador refletir um pouco mais sobre o tema – e é incrível como após notícias de tragédia ou de conteúdos mais densos, em boa parte, são seguidos de notícia futebolítisca (ou qualquer outro esporte) ou de espetáculos musicais, teatrais (ou qualquer outra manifestação artística) que é justamente para “tirar o peso e tensão” da notícia anterior. 

Assim sendo. Tudo o que escrevi (e escreverei logo adiante) até o momento ainda não faz muito sentido e não tem relação ao fato do crescimento de acidentes de trabalho no Estado de Pernambuco. Para conseguir “conectar“ essa realidade ao que falei é necessário ainda mais abstrações que nada mais são que abstrações da realidade (e não tentativa de tornar real algo abstrato e sem conexões com o real), no fim das contas espero ter conseguido explicitar satisfatoriamente minha pretensão nesta crônica: associar as mazelas as quais atingem os trabalhadores, como por exemplo (e é o foco aqui), acidentes de trabalho, à relação capital x trabalho. 

Assim como o pedreiro Anselmo José de Oliveira entrevistado na reportagem, milhares de brasileiros sofrem algum tipo de acidente de trabalho com menor ou maior conseqüência, nesse ano, em Pernambuco, “Apesar da fiscalização e do treinamento de algumas empresas, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego registrou este ano 51 mortes em Pernambuco. 13 nos canteiros de obras e 38 nas usinas e lavouras de cana-de-açúcar”. Esses dados nos instigam a refletir o passado (que teima em ser atual) da formação sócio-histórica brasileira, e seu intrínseco pensamento arcaico-colonial-latifundiário-escravista, trata-se de relacionar diretamente as 38 mortes de trabalhadores nas usinas e lavouras de cana-de-açúcar as degradantes condições de trabalho do homem e mulher do campo a serviço do latifúndio. Onde, infelizmente, ainda há condição tão aviltante quanto a de trabalhos escravo ou semi-escravo em pleno século XXI nas grandes propriedades de terra desse país. Não será difícil encontrar trabalhadores rurais sem nenhum equipamento de proteção individual, também não será difícil avistá-los sendo transportados aos montes em carrocerias de caminhões antigos para as lavouras, bem como outros absurdos. Os dados por si só traduzem isso. Não esquecendo da indústria, principalmente o setor da construção civil é protagonista de acidentes de trabalho, por isso os demais trabalhadores mortos por acidente de trabalho são desse setor.

Por um lado, com tantas arbitrariedades e infrações às normas de segurança do trabalho. Por outro, com poucas oportunidades de emprego e a imperiosa necessidade do trabalhador vender o que tem para sobreviver – a sua força de trabalho. Faz-se necessário correr o risco de morrer por acidente de trabalho do que optar por morrer de fome, contrariando o que Dulcilene Morais, do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil enuncia: “ele [o trabalhador] não deve ter medo de perder o emprego, e sim de perder a vida”. Mas será que não é mais risco de perder a vida não estar trabalhando? 

De fato, o trabalhador deve se posicionar firme ao que lhe é direito, saúde e segurança. Mas apenas o trabalhador que está desempregado necessitando urgentemente de um meio de sobrevivência é que pode afirmar se decidirá por correr os riscos do trabalho precário ou ausência de trabalho. Acredito que a primeira opção seria a tomada na maioria dos casos. Entretanto, não pactuo em hipótese alguma com tais condições de trabalho em situações as mais degradantes. Pelo contrário, defendo mais e melhores empregos, redução da jornada de trabalho sem redução dos salários, por um salário mínimo que atenda as reais necessidades da classe trabalhadora, em suma: por condições de trabalho dignas. 

Porém, tenho a clareza de que todas essas reivindicações, mais que justas, não alteram em nada a estrutura do modo de produção capitalista. É justamente nesse ponto que gostaria de adentrar. Precisa-se entender, minimamente, o metabolismo social do capital (Conferir obras de Mészáros), do qual é produtor e reprodutor das desigualdades sociais e das precárias condições de vida àqueles que produzem socialmente a riqueza (trabalhadores) apropriada privadamente pela classe que detêm os monopólios dos meios de produção (capitalistas). O objetivo principal desse sistema é o lucro, acumulação de riquezas, para tal explora a mão de obra dos trabalhadores que não tem outra saída a não ser vender sua força de trabalho – pelo fato, justamente, de não possuir os meios necessários para produzir. Os capitalistas se apropriam de uma parte excedente do que os trabalhadores produzem. Essa foi uma tentativa de explicar o mais simples possível o que é mais-valia – fonte do lucro da classe burguesa.

Diante dessas observações, compreendendo que é inerente ao capitalismo a exploração do trabalho pelo capital, fica claro que números alarmantes de condições as mais variadas e diversas de precarização do trabalho, como nesse caso específico o de acidentes de trabalho, fazem parte da essência do modo de produção capitalista, “No ano passado, foram 18.348 acidentes em Pernambuco, quase 27% a mais em relação a 2008”

É fundamental o entendimento dessas relações conflituosas e contraditórias entre capital x trabalho nos agravantes de números de acidentes de trabalho. O despertar da consciência de classe dos trabalhadores é elemento central para o desnudamento das máscaras do capital travestidas de ideologias “cooptantes”. Todas as inovações gerenciais (que buscam impedir e até mesmo romper a consciência de classe) visam exigir mais do trabalhador de forma “doce e suave” como o “canto da sereia”, que encanta o trabalhador a acreditar que os objetivos da empresa são, necessariamente, os seus. Mas quando se depara com a realidade do trabalho duro cotidiano com exigência rígida para atingir as metas é que o trabalhador tende a “acordar do feitiço”. 

Dessa forma, superamos a superficialidade de uma notícia aparentemente simples, e enfatiza-se aqui a necessidade da superação da sociabilidade capitalista por outra onde não contenha a exploração do homem pelo homem, não tenho medo de dizer, essa nova sociabilidade necessária é a comunista. Diante de que muitos apregoem essa sociabilidade como uma quimera, um devaneio, uma mera utopia, de que não há como superar o capitalismo. Minha concepção materialista histórica e dialética não permite cair nas tentações do “fim da história”, e sim consensuar com o poeta Bertolt Brecht de que “nada é impossível de mudar”, a própria história demonstra isso.

Eu acordo prá trabalhar
Eu durmo prá trabalhar
Eu corro prá trabalhar
Eu não tenho tempo de ter
O tempo livre de ser
De nada ter que fazer
É quando eu me encontro perdido
Nas coisas que eu criei
(Capitão de Indústria - Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)

* Alcides Campelo A. Junior é direção estadual da UJC e militante do PCB em Pernambuco, e faz parte do Nucleo de Estudos Agrários Gregório Bezerra.


[Esse é um texto para a seção Crônicas Vermelhas, onde os militantes da UJC/PE opinam, comentam, debatem sobre diversos temas. Para acessar o conteúdo Crônicas Vermelhas basta acessar no "arquivo do blog por temática" a temática Crônicas Vermelhas, ir na página formação ou destaques, ou clicando no marcador dessa postagem.]

Nenhum comentário:

Postar um comentário