"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Fidel: A OTAN, gendarme mundial

Fidel Castro*

Muitas pessoas sentem náuseas ao ouvir o nome dessa organização.

Na sexta-feira, 19 de novembro de 2010, em Lisboa, Portugal, os 28 membros dessa belicosa instituição, engendrada pelos Estados Unidos, decidiram criar o que com cinismo qualificam de "a nova OTAN".

Ela surgiu depois da Segunda Guerra Mundial como instrumento da Guerra Fria desencadeada pelo imperialismo contra a União Soviética - país que pagou com dezenas de milhões de vidas e uma colossal destruição a vitória sobre o nazismo.

Contra a URSS, os Estados Unidos mobilizaram, junto a uma parte sadia da população europeia, a extrema direita e toda a escória nazifascista da Europa, cheia de ódio e disposta a tirar proveito dos erros cometidos pelos próprios dirigentes da URSS, depois de morte de Lênin.

O povo soviético, com enormes sacrifícios, foi capaz de manter a paridade nuclear e apoiar a luta de libertação nacional de numerosos povos contra os esforços dos Estados europeus para manter o sistema colonial imposto à força durante séculos; Estados que no pós-guerra se aliaram ao império ianque, que assumiu o comando da contrarrevolução no mundo.

Em apenas 10 dias - menos de duas semanas -, a opinião mundial recebeu três grandes e inesquecíveis lições: o G-20, a APEC e a OTAN, em Seul, Yokohama e Lisboa, de modo que todas as pessoas honestas que saibam ler e escrever, e cujas mentes não tenham sido mutiladas pelos reflexos condicionados do aparato midiático do imperialismo, possam ter uma ideia real dos problemas que afetam hoje a humanidade.

Em Lisboa não foi dita uma palavra que fosse capaz de transmitir esperanças a bilhões de pessoas que sofrem com a pobreza, o subdesenvolvimento, a deficiência alimentar, a falta de habitação, saúde, educação e emprego.

Pelo contrário, o vaidoso personagem que figura como chefe da máfia militar da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, declarou, em tom de pequeno führer nazista, que o "novo conceito estratégico" era para "atuar em qualquer lugar do mundo". Não foi sem razão que o governo da Turquia esteve a ponto de vetar sua designação quando Fogh Rasmussen - "neoliberal dinamarquês" -, como primeiro-ministro da Dinamarca, usando o pretexto da liberdade de imprensa, defendeu em abril de 2009 os autores de graves ofensas ao profeta Maomé, uma figura respeitada por todos os crentes muçulmanos.

Muitos no mundo recordam as estreitas relações de cooperação entre o governo da Dinamarca e os "invasores" nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

A OTAN, ave de rapina chocada nas saias do império ianque, dotada inclusive de armas nucleares táticas que podem ser até muitas vezes mais destrutivas do que a que fez com que desaparecesse a cidade de Hiroshima, está comprometida pelos Estados Unidos na guerra criminosa do Afeganistão, mais complexa ainda do que a aventura de Kossovo e a guerra contra a Sérvia, onde a cidade de Belgrado foi massacrada e estiveram a ponto de sofrer um desastre se o governo daquele país tivesse se mantido firme, em vez de confiar nas instituições de justiça europeia em Haia.

A ingloriosa declaração de Lisboa, em um de seus pontos, afirma de forma vaga e abstrata:
"Apoio à estabilidade regional, aos valores democráticos, à segurança e à integração no espaço euro-atlântico nos Bálcãs".
"A missão em Kossovo é orientada a uma presença menor e mais flexível."

E agora?

Tampouco a Rússia poderá esquecer tão facilmente: o fato real é que quando Yeltsin desintegrou a URSS, os Estados Unidos avançaram as fronteiras da OTAN e suas bases de ataque nuclear para o coração da Rússia na Europa e na Ásia.

Essas novas instalações militares ameaçavam também a República Popular da China e outros países asiáticos.

Quando aconteceu aquilo em 1991, centenas de SS-19, SS-20 e outras poderosas armas soviéticas podiam alcançar em questão de minutos as bases militares dos Estados Unidos e da OTAN na Europa. Nenhum secretário-geral da OTAN teria se atrevido a falar com a arrogância de Rasmussen.

O primeiro acordo sobre limitação de armas nucleares foi assinado em data antecipada, no dia 26 de maio de 1972, pelo presidente dos Estados Unidos Richard Nixon e pelo secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Leonid Brezhnev, com o objetivo de limitar o número de mísseis antibalísticos (Tratado ABM) e defender alguns pontos contra mísseis com carga nuclear.

Em 1979, Brezhnev e Carter assinaram em Viena novos acordos conhecidos como SALT II, mas o Senado dos Estados Unidos se negou a ratificar esses acordos.

O novo rearmamento promovido por Reagan, com a iniciativa de Defesa Estratégica, pôs fim aos acordos SALT.

O gasoduto da Sibéria já tinha sido explodido pela CIA.

Mas em 1991 um novo acordo foi assinado entre Bush pai e Gorbachov, cinco meses antes do colapso da URSS. Ao se produzir tal acontecimento, o campo socialista já não existia. Os países que o Exército Vermelho tinha libertado da ocupação nazista não foram capazes sequer de manter a independência. Governos de direita que acederam ao poder passaram com armas e apetrechos à OTAN e caíram nas mãos dos Estados Unidos. O da RDA, que sob a direção de Erich Honecker tinha realizado um grande esforço, não pôde vencer a ofensiva ideológica e consumista lançada a partir da mesma capital ocupada pelas tropas ocidentais.

Como dono virtual do mundo, os Estados Unidos aumentaram sua política aventureira e belicista.

Devido ao processo bem manipulado, a URSS se desintegrou. O golpe de graça foi dado por Boris Yeltsin no dia 8 de dezembro de 1991 quando, em sua condição de presidente da Federação Russa, declarou que a União Soviética tinha deixado de existir. No dia 25 desse mesmo mês e ano, a bandeira vermelha da foice e do martelo foi arriada do Kremlin.

Um terceiro acordo sobre armas estratégicas foi assinado então entre George H. W. Bush e Boris Yeltsin, no dia 3 de janeiro de 1993, que proibia o uso dos Mísseis Balísticos Intercontinentais (ICBM, por suas siglas em inglês) de ogivas múltiplas. Foi ratificado pelo Senado dos Estados Unidos no dia 26 de janeiro de 1993, com uma margem de votos de 87 contra 4.

A Rússia herdava a ciência e a tecnologia da URSS - que apesar da guerra e dos enormes sacrifícios foi capaz de equiparar seu poder com o imenso e rico império ianque -, a vitória contra o fascismo, as tradições, a cultura e as glórias do povo russo.

A guerra da Sérvia, um povo eslavo, tinha atingido duramente a segurança do povo russo, coisa que nenhum governo podia ignorar.

A Duma russa - indignada pela primeira guerra do Iraque e a de Kossovo, na qual a OTAN massacrou o povo sérvio - se negou a ratificar o START II e não assinou esse acordo até o ano 2000, e nesse caso, para tentar salvar o tratado ABM que os ianques para essa data não lhes interessava manter.

Os Estados Unidos começam a utilizar seus enormes recursos midiáticos para manter, enganar e confundir a opinião pública mundial.

O governo desse país atravessa uma etapa difícil como consequência de suas aventuras bélicas. Na guerra do Afeganistão estão comprometidos os países da OTAN sem exceção alguma, e vários outros do mundo, a cujos povos é odiosa e repugnante a carnificina em que estão envolvidos em maior ou menor grau países ricos e industrializados como o Japão e a Austrália, e outros do Terceiro Mundo.

Qual a essência do acordo aprovado em abril deste ano pelos Estados Unidos e a Rússia? Ambas as partes se comprometem a reduzir o número de ogivas nucleares estratégicas para 1.550. Das ogivas nucleares da França, do Reino Unido e de Israel, todas capazes de golpear a Rússia, não se diz uma palavra. Das armas nucleares táticas, algumas delas com muito mais poder do que a que fez com que desaparecesse a cidade de Hiroshima, também não. Não se faz referência à capacidade destrutiva e letal de numerosas armas convencionais, as radioelétricas e outros sistemas de armamentos aos quais os Estados Unidos dedicam seu crescente orçamento militar, superior aos de todas as outras nações do mundo juntas.

Ambos os governos conhecem, e talvez outros muitos daqueles que ali se reuniram, que uma terceira guerra mundial seria a última. Que tipo de expectativas podem criar os membros da OTAN? Qual tranquilidade deriva dessa reunião para a humanidade? Que benefício para os países do Terceiro Mundo, e inclusive para a economia internacional, é possível esperar?

Não podem sequer oferecer a esperança de que a crise econômica mundial possa ser superada, nem quanto tempo duraria essa melhoria. A dívida pública total dos Estados Unidos, não só a do governo central, mas também do resto das instituições privadas desse país, eleva-se já a uma cifra que iguala-se ao PIB mundial de 2009, que ascendia a 58 trilhões de dólares. Por acaso os que se reuniram em Lisboa se perguntaram de onde saíram esses fabulosos recursos? Simplesmente, da economia de todos os demais povos do mundo, aos quais os Estados Unidos entregaram papéis convertidos em divisas que ao longo de 40 anos, unilateralmente, deixaram de ter respaldo em ouro e agora o valor desse metal é 40 vezes superior. Esse país ainda dispõe de poder de veto no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial. Por que isso não foi discutido em Portugal?

A esperança de retirar do Afeganistão as tropas dos Estados Unidos, da OTAN e de seus aliados, é idílica. Terão que abandonar esse país antes que derrotados entreguem o poder à resistência afegã. Os próprios aliados dos Estados Unidos começam já a reconhecer que poderiam transcorrer dezenas de anos antes de finalizar essa guerra, a OTAN estará disposta a permanecer ali esse tempo? Permitirão isso os próprios cidadãos de cada um dos governos ali reunidos? Não se pode esquecer que um país de grande população, o Paquistão, compartilha uma fronteira de origem colonial com o Afeganistão e uma percentagem não desprezível de seus habitantes.

Não critico Medvedev, faz muito bem em tentar limitar o número de ogivas nucleares apontadas para seu país. Barack Obama não pode inventar justificação alguma. Seria risível imaginar que esse colossal e custoso desdobramento do escudo nuclear antimíssil é para proteger a Europa e a Rússia dos foguetes iranianos, procedentes de um país que não possui sequer um artefato nuclear tático. Isso não se pode afirmar nem num livro de histórias em quadrinhos.

Obama já admitiu que sua promessa de retirar os soldados norte-americanos do Afeganistão poderia se dilatar, e os impostos aos contribuintes mais ricos serem suspensos de imediato. Depois do Prêmio Nobel haveria que conceder-lhe o prêmio ao "maior encantador de serpentes" que já existiu.

Levando em conta a autobiografia de W. Bush, tornada já "Best Sellers", que algum redator inteligente elaborou para ele, por que não o convidaram a Lisboa? Certamente a extrema direita, o "Tea Party" da Europa, ficaria feliz.

*Fidel Castro Ruz é ex-presidente de Cuba e líder da Revolução Cubana.

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/5127

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