"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A crise de ideias da social-democracia

Os teóricos e os líderes da social-democracia europeia reconhecem cada vez mais a existência da crise desse movimento político, incluindo a crise das suas ideias. É desta última que vou tratar de seguida.

A história do século XX demonstrou-o plenamente: a causa principal da crise contemporânea da ideologia da social-democracia reformista é a sua prática política, a co-gestão da sociedade de exploração capitalista e do Estado burguês, co-gestão essa partilhada com a classe dominante, o grande capital financeiro, a submissão aos seus interesses estratégicos.

O avanço da humanidade para a sociedade socialista é um processo dialéctico profundamente explicado por K. Marx, F. Engels, V.I. Lenine. A descoberta científica da missão histórica do proletariado, das massas trabalhadoras, foi confirmada pela realidade. Durante o século passado apareceu nitidamente a necessidade crescente de tomar em consideração os interesses da classe trabalhadora, dos assalariados, de todos os trabalhadores, para que a humanidade possa manter-se, progredir, sobreviver. Na medida em que a social-democracia participou na realização desse papel da classe trabalhadora, os sociais-democratas favoreceram o progresso. Adquiriram um prestígio e uma influência que permitiram aos partidos sociais-democratas adquirir peso político, eleitoral e dessa forma aproximar-se das engrenagens do Estado.


Mas a utilização de novas possibilidades da classe operária, das massas trabalhadoras, do poder estatal, dos cargos governamentais foi acompanhada por uma diferenciação de princípio entre as duas correntes do movimento operário e pela sua separação organizativa. Os revolucionários comunistas encaravam a substituição do capitalismo pelo socialismo, do Estado burguês pelo Estado proletário, da democracia burguesa pela democracia socialista. Os reformistas abandonam a pouco e pouco a perspectiva socialista, e contentam-se com o Estado e a democracia burgueses.

A social-democracia à frente do Estado comporta-se um gestor leal e subserviente da sociedade capitalista e da sua máquina estatal. Nunca aparece da parte dos governos reformistas qualquer alteração profunda, qualitativa do Estado; enquanto que a reacção burguesa não se priva de dar cabo das instituições estatais na defesa dos seus interesses e do seu domínio. 1922-1926 na Itália, 1926 em Portugal, 1933 na Alemanha, 1936-1939 em Espanha, 1940, 1958, 1962-1965 em França, 1967 na Grécia, 1973 no Chile, etc,, etc., exemplificam a liquidação do poder democrático pela burguesia. Para não falar de numerosos golpes de estado da reacção contra os governos progressistas na América Latina, na Ásia e na África.

A social-democracia torna-se cúmplice objectivamente da classe dominante do capitalismo contemporâneo. Os sociais-democratas do topo, no seu papel de gestores da sociedade de exploração, transformam-se em participantes da exploração dos trabalhadores pelo capital. Esta transformação foi prevista por Karl Marx com o seu habitual vigor intelectual: a participação no privilégio, ou no monopólio do poder pró-capitalista cria a possibilidade da exploração secundária (em relação à exploração primordial, a económica). Esta transformação explica a degenerescência ideológica contínua da social-democracia.

Os partidos sociais-democratas começaram a sua actividade como organizações que lutavam pelos interesses imediatos da classe operária no quadro da sociedade capitalista e ao mesmo tempo pela conquista do poder político, pela passagem do capitalismo ao socialismo. Os sociais-democratas criticavam o Estado burguês, previam a sua destruição e a sua substituição pelo Estado proletário.

Através da história, a base social da social-democracia sofreu grandes mudanças. A pequena burguesia passou a ocupar um lugar importante. A aristocracia operária seguiu a linha reformista. Uma influência determinante no interior dos partidos socialistas conquistou a burocracia, não apenas a burocracia do movimento operário, mas também e sobretudo da administração do Estado. Os PS, outrora instrumento dos trabalhadores na luta pelo socialismo tornaram-se em máquinas de exploração do sufrágio universal, da conquista dos votos e dos cargos bem remunerados. Os dirigentes socialistas são recrutados em grande número para assumir a chefia dos organismos mais importantes do capitalismo nacional e mundial, das instituições financeiras, etc.

Uma parte importante, ou mesmo maioritária, da ideologia social-democrata, a partir da Grande Revolução de Outubro de 1917 na Rússia, alimenta uma polémica contra a construção do socialismo, primeiro nesse único país, depois noutros, que chegaram a 1/3 da humanidade. Essa crítica teve sempre um carácter eminentemente estéril, porque a social-democracia nunca pôde exibir, face aos esforços dos comunistas, nenhum exemplo de criação conseguida duma sociedade socialista, que ultrapassasse o capitalismo. Pelo contrário, nas cadeias da gestão do capitalismo, a social-democracia assumiu prioritariamente a atitude de adversário contra o socialismo, que estava a nascer por entre as dificuldades, e perdia a sua antiga orientação para o socialismo.

O desenvolvimento da construção do socialismo na URSS e nos países da Europa de leste esteve normalmente cheio das inevitáveis contradições dialécticas. Por causa de certas particularidades históricas, a solução desses problemas pelos dirigentes da sociedade veio a revelar-se insuficiente e por vezes francamente incorrecta. O primeiro lugar desses insucessos cabe à não identificação científica (e numa época em que mais era preciso) da contradição fundamental das relações sociais do socialismo nascente. Se, para o capitalismo, esse problema tinha sido resolvido por K. Marx e F. Engels, para o socialismo (mesmo o do futuro) os comunistas não tinham uma solução bem fundamentada. As ideias frutuosas dos clássicos do marxismo-leninismo nesse campo não estavam suficientemente desenvolvidas, a pesquisa necessária praticamente parada. A crítica desonesta por parte dos ideólogos sociais-democratas contribuiu para esse obstáculo.

A liquidação da propriedade privada dos meios de produção e, por consequência, do domínio dos exploradores na economia e na política constituiu uma enorme conquista da humanidade, um progresso de alcance histórico universal. A social-democracia ficou fora desse progresso, e combateu-o mesmo. Ficou igualmente à margem da fase seguinte do progresso.

A sociedade em vias da organização do socialismo eliminou o privilégio dos ricos de governar, de dirigir, de determinar o destino do povo. Mas não podia eliminar, de uma assentada, imediatamente depois da revolução socialista, a mais profunda diferenciação entre os dirigentes e os dirigidos. A propriedade social, sob a forma de propriedade estatal e outras, constituía uma participação desigual na direcção dos assuntos a todos os níveis da sociedade. Lenine, em “O Estado e a Revolução” estabeleceu como conteúdo essencial do progresso ulterior do socialismo o acesso à direcção da maioria dos trabalhadores e posteriormente de todos os trabalhadores sem excepção.

A prática da construção socialista confirmou a previsão de Lenine. Demonstrou que o progresso para a realização do socialismo só se pode fazer pela participação das massas na direcção da sociedade, pelos métodos da democracia popular, socialista. A metodologia oposta, apesar de alguns êxitos devidos ao entusiasmo nascido da vitória da grande revolução libertadora, não podia trazer senão atrasos, erros, bloqueios, seguidos de crises e da queda final.

Mantendo-se politicamente fora da luta pelo socialismo, a social-democracia oficial não podia desenvolver uma crítica construtiva da prática da construção socialista. Simultaneamente, a sua teoria esvaziou-se do conteúdo que abria a perspectiva do socialismo. A iniciativa do abandono do marxismo pertence aos sociais-democratas alemães com o seu congresso de Bad Godesberg em 1959. A evolução contemporânea, com W. Brandt, G. Schröder e Co. está muito longe de qualquer transformação da Alemanha no sentido do socialismo.

Mas o auge na actividade da traição, na minha opinião, foi atingido na Grã-Bretanha por A. Blair e pela sua equipa. Blair marcou a sua entrada na direcção do Labour Party com a renúncia à exigência da instauração da propriedade social, conforme constava nos estatutos do partido de 1918. Seguidamente, o blairismo rejeitou toda a tradição social-democrata, anunciando o labourismo “novo”, irmão gémeo da ideologia do partido democrata dos Estados Unidos. O manifesto comum de Blair-Schröder não se deve ao acaso. Esta clique conseguiu arrastar na mesma via os antigos democratici di sinistra italianos.

Por fim, apareceu em França uma gritante demonstração do papel da social-democracia. Um político hábil de direita, maquilhado de socialista e prometendo “a rotura com o capitalismo” conseguiu enganar muitos franceses. A desilusão e a desorientação criadas por F. Miterrand enfraqueceram sensivelmente o movimento operário e progressista. Foi por isso que o seu mais próximo colaborador e sucessor L. Jospin julgou possível declarar, de forma exemplar no congresso da Internacional Socialista em Paris em 1999, que o socialismo enquanto doutrina já não existe e que de futuro não se pode falar de mudança de sociedade.

A classe operária da França soube tirar as conclusões da experiência Miterrand-Jospin: na eleições presidenciais de 2002, o candidato socialista Jospin foi eliminado na primeira volta. E as lutas de classe que agitam o país mais evoluído socialmente entre os países capitalistas não prometem nada de bom aos renegados do socialismo.

Dado que os PS do topo, pela sua posição de classe, pelo seu papel social, pela sua política, se aproximam da classe dominante, existe no interior de cada partido social-democrata uma contradição profunda entre esses PS de topo e a base operária e progressista ligada à perspectiva socialista. É com os sociais-democratas fiéis ao socialismo que os comunistas garantirão a passagem do capitalismo à sociedade socialista. Um outro factor da unidade das forças progressistas e patrióticas é a defesa do Estado nacional contra a agressão do grande capital cosmopolita, hegemónico e totalitário.

Serpa, Outubro de 2010.

Fonte: http://www.odiario.info/?p=1814

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