"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

DECISÃO DA OEA SOBRE LEI DE ANISTIA FAVORECE LUTA PELA COMISSÃO DA VERDADE NO BRASIL

(Nota Política do PCB)

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Brasil por não punir os responsáveis pelo desaparecimento de pessoas envolvidas na guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1974, um dos movimentos de resistência armada contra a ditadura empresarial-militar que se apoderou do Estado brasileiro em 1964. A sentença foi dada quinze anos após a apresentação da denúncia por entidades defensoras dos direitos humanos no Brasil.


A Corte, sediada em San Jose, Costa Rica, é um organismo judicial independente que interpreta e aplica a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é um dos países signatários. Segundo a sentença emitida, o Estado brasileiro violou o direito à justiça, ao ter se recusado a cumprir a obrigação internacional de investigar, processar e punir os responsáveis pelos desaparecimentos e mortes promovidos pela repressão política. De acordo ainda com a sentença, a Lei de Anistia de 1979 não pode ser usada como escudo para desobrigar o Estado brasileiro da apuração dos casos e condenação dos criminosos que agiram em nome da famigerada “Lei de Segurança Nacional”. Trata-se de decisão tomada em direção absolutamente contrária à aberração produzida em abril deste ano pelo Supremo Tribunal Federal, cuja interpretação da Lei de Anistia favorece a impunidade dos responsáveis por torturas, perseguições e mortes durante a ditadura militar.

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos favorece a retomada das lutas pela implementação da Comissão Nacional de Verdade, proposta do Programa Nacional de Direitos Humanos que, por pressão dos setores reacionários e cumplicidade do governo Lula, até hoje não saiu do papel. Na contramão do Direito internacional, o arquiconservador Ministro Nélson Jobim – que continuará à frente da pasta da Defesa no governo Dilma – já se manifestou contrário a cumprir a sentença, apesar de o Itamaraty reconhecer que o Brasil é obrigado a cumprir a decisão, por ser signatário da Convenção dos Direitos Humanos.

É inadmissível que o governo do PT e em cuja base de apoio está o PC do B, partido que reivindica a guerrilha do Araguaia, recuse-se a abrir os arquivos da ditadura e punir os carrascos dos que lutaram pela liberdade em um dos períodos mais sinistros da nossa história. O PCB solidariza-se com todas as organizações de esquerda que optaram pela luta armada contra o regime autoritário no Brasil, reconhecendo a bravura daqueles militantes, mesmo entendendo tratar-se de um erro político à época, marcado pelo formato vanguardista e distanciado das massas, ao tentar transplantar para a nossa realidade formas de luta adotadas em outras experiências revolucionárias no mundo, sem a devida análise sobre o estágio da luta de classes no Brasil.

A solidariedade do PCB aos grupamentos revolucionários que perderam quadros destacados da luta socialista para a repressão não é retórica, pois um dos maiores objetivos da ditadura sempre foi destruir e calar os comunistas e, em particular, nosso partido. Entre 1974 e 1975, foram assassinados dezenas de militantes do PCB. Seus corpos continuam desaparecidos, inclusive da quase totalidade dos membros do Comitê Central que não haviam ido para o exílio, ficando aqui para dirigir o Partido na clandestinidade (Célio Guedes, David Capistrano, Elson Costa, Hiram Pereira de Lima, Itair José Veloso, Jayme Miranda de Amorim, João Massena de Melo, José Montenegro de Lima, Luiz Maranhão Filho, Nestor Veras, Orlando Bonfim e Walter Ribeiro).

Urge retomar as lutas para viabilizar de fato uma COMISSÃO DA VERDADE, que, nos moldes das que já foram criadas na Argentina, no Chile, no Uruguai e em outros países que viveram ditaduras, promova a abertura dos arquivos da ditadura e puna exemplarmente torturadores e assassinos que agiram em prol do regime militar. Somente uma grande mobilização das organizações democráticas e de esquerda será capaz de pressionar o governo para a sua implantação.

Rio de Janeiro, dezembro de 2010.

Comissão Política Nacional do PCB (Partido Comunista Brasileiro)

VEJA ABAIXO TEXTO DE FÁBIO KONDER COMPARATO SOBRE O TEMA:
STF e PGR estão condenados moralmente
 
16 de dezembro de 2010

E agora, Brasil?

por Fábio Konder Comparato, no Conversa Afiada
A Corte Interamericana de Direitos Humanos acaba de decidir que o Brasil descumpriu duas vezes a Convenção Americana de Direitos Humanos. Em primeiro lugar, por não haver processado e julgado os autores dos crimes de homicídio e ocultação de cadáver de mais 60 pessoas, na chamada Guerrilha do Araguaia. Em segundo lugar, pelo fato de o nosso Supremo Tribunal Federal haver interpretado a lei de anistia de 1979 como tendo apagado os crimes de homicídio, tortura e estupro de oponentes políticos, a maior parte deles quando já presos pelas autoridades policiais e militares.
O Estado brasileiro foi, em conseqüência, condenado a indenizar os familiares dos mortos e desaparecidos.

Além dessa condenação jurídica explícita, porém, o acórdão da Corte Interamericana de Direitos Humanos contém uma condenação moral implícita.

Com efeito, responsáveis morais por essa condenação judicial, ignominiosa para o país, foram os grupos oligárquicos que dominam a vida nacional, notadamente os empresários que apoiaram o golpe de Estado de 1964 e financiaram a articulação do sistema repressivo durante duas décadas. Foram também eles que, controlando os grandes veículos de imprensa, rádio e televisão do país, manifestaram-se a favor da anistia aos assassinos, torturadores e estupradores do regime militar. O próprio autor destas linhas, quando ousou criticar um editorial da Folha de S.Paulo, por haver afirmado que a nossa ditadura fora uma “ditabranda”, foi impunemente qualificado de “cínico e mentiroso” pelo diretor de redação do jornal.

Mas a condenação moral do veredicto pronunciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos atingiu também, e lamentavelmente, o atual governo federal, a começar pelo seu chefe, o presidente da República.

Explico-me. A Lei Complementar nº 73, de 1993, que regulamenta a Advocacia-Geral da União, determina, em seu art. 3º, § 1º, que o Advogado-Geral da União é “submetido à direta, pessoal e imediata supervisão” do presidente da República. Pois bem, o presidente Lula deu instruções diretas, pessoais e imediatas ao então Advogado-Geral da União, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, para se pronunciar contra a demanda ajuizada pela OAB junto ao Supremo Tribunal Federal (argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 153), no sentido de interpretar a lei de anistia de 1979, como não abrangente dos crimes comuns cometidos pelos agentes públicos, policiais e militares, contra os oponentes políticos ao regime militar.

Mas a condenação moral vai ainda mais além. Ela atinge, em cheio, o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República, que se pronunciaram claramente contra o sistema internacional de direitos humanos, ao qual o Brasil deve submeter-se.

E agora, Brasil?

Bem, antes de mais nada, é preciso dizer que se o nosso país não acatar a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ele ficará como um Estado fora-da-lei no plano internacional.

E como acatar essa decisão condenatória?

Não basta pagar as indenizações determinadas pelo acórdão. É indispensável dar cumprimento ao art. 37, § 6º da Constituição Federal, que obriga o Estado, quando condenado a indenizar alguém por culpa de agente público, a promover de imediato uma ação regressiva contra o causador do dano. E isto, pela boa e simples razão de que toda indenização paga pelo Estado provém de recursos públicos, vale dizer, é feita com dinheiro do povo.

É preciso, também, tal como fizeram todos os países do Cone Sul da América Latina, resolver o problema da anistia mal concedida. Nesse particular, o futuro governo federal poderia utilizar-se do projeto de lei apresentado pela Deputada Luciana Genro à Câmara dos Deputados, dando à Lei nº 6.683 a interpretação que o Supremo Tribunal Federal recusou-se a dar: ou seja, excluindo da anistia os assassinos e torturadores de presos políticos. Tradicionalmente, a interpretação autêntica de uma lei é dada pelo próprio Poder Legislativo.

Mas, sobretudo, o que falta e sempre faltou neste país, é abrir de par em par, às novas gerações, as portas do nosso porão histórico, onde escondemos todos os horrores cometidos impunemente pelas nossas classes dirigentes; a começar pela escravidão, durante mais de três séculos, de milhões de africanos e afrodescendentes.

Viva o Povo Brasileiro!



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