"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)

sábado, 14 de janeiro de 2012

Somos tão iguais assim?

Essa semana se vivenciou duas situações distintas e cruéis na mídia brasileira, a primeira como tragédia e a segunda como farsa, como diria o velho filósofo da Práxis – Karl Marx.

A primeira cena nos remete a algo que se tenta esconder, ocultar por vergonha de uma herança ancestral. Advinda de um tempo onde essa prática não tinha nem nome, revestida de uma moral tacanha, com uma lógica de subordinação dos que foram sempre desprovidos de direitos, subjugados e humilhados por lutarem por seus direitos como iguais, mesmo sabendo da diferença histórica que existe por parte de quem foi expropriado e explorado como mão de obra barata nesse país.
Hoje, eles se levantam, constroem novas perspectivas, um novo futuro, para superar as injustiças históricas que seu povo sofreu. Mas ainda há quem acredite que os tempos não mudaram, e perseguem o povo negro. E o “homem da lei”, detentor do dever de proteger, criminaliza, julga e tenta aplicar a sua justiça, tenta agredir a um estudante negro nas dependências da USP, situação que merece toda a repugnância que este ato merece. Fato que gerou reconhecimento pelo Ouvidor da PM/SP, Luiz Gonzaga Dantas, no sentido de que foi uma atitude arbitrária. Inclusive ele chega a afirmar que “nós estávamos também na reintegração de posse da reitoria e era realmente uma praça de guerra, nem na ditadura militar vimos aquilo (Confira o áudio da entrevista aqui no blog da UJC-PE).
A segunda cena, infelizmente, não nos surpreende. Trata-se de algo difundido no senso comum. São os imperativos do mito da democracia racial. E mais, extrapola a questão, na verdade, há uma naturalização e despolitização do debate. Estamos falando de uma polêmica suscitada no reality show, da Rede Globo, o programa Big Brother Brasil (ou apenas, BBB), que está em sua décima segunda edição.
O fato foi o seguinte: O “apresentador-filósofo” do BBB, Pedro Bial, costuma realizar questionamentos sobre temas polêmicos para tentar constranger o participante. Bial dispara: “Daniel, você é a favor de cotas para negros no Big Brother Brasil?” – o “brother” (como são definidos os participantes do programa) responde: “não” – prontamente, o apresentador retruca: “Por quê?” – Daniel: “Porque eu acho que não tem que ter cota pra nada, a gente é igual, cara. Embaixo da pele é sangue, e o sangue é vermelho!”.  [Link para o vídeo no final dessa postagem]
Por baixo da pele temos sangue, músculos, ossos... mas externo a pele temos uma desigualdade brutal, uma divida histórica de mais de 400 anos, um genocídio não declarado que massacra há anos estes negros “iguais”. Assim como diz a canção: “todos iguais e tão desiguais, uns mais iguais que os outros” (Ninguém=ninguém de Engenheiros do Hawaii). Esses “mais iguais” curtem bastante quando os “menos iguais” acreditam piamente estarem vivendo sob uma igualdade, por isso os “brothers” e “sisters” além de inúmeros telespectadores curtiram bastante o que Daniel falou no programa BBB 12ª edição.
Com esse texto pretendemos polemizar não em relação a cotas no BBB, mas o conteúdo ideológico na frase que Daniel proferiu. É preciso enxergar além da igualdade formal perante a lei que sentencia que somos todos iguais, mas sim a realidade desigual tal qual ela é. Exemplo nítido de discriminação (portanto, desigualdade de tratamento) foi visto no caso, já citado, do estudante da USP, Nicolas Menezes, isso só para ficar em apenas um exemplo de tantos inúmeros outros possíveis em nosso cotidiano.
O professor Boaventura de Sousa Santos afirma que “temos o direito de ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza”. Esse pensamento, de certa forma, traduz o que queremos passar. Mas vamos além, Marx analisando a transição do feudalismo para o capitalismo apontou que “[...] o homem não se libertou da religião; obteve, isto sim, liberdade religiosa. Não se libertou da propriedade; obteve liberdade de propriedade. Não se libertou do egoísmo da indústria; obteve a liberdade industrial” (Questão judaica). Complementamos a sentença da seguinte forma: os negros não se libertaram da opressão; obteve liberdade de opressão. O movimento Panteras Negras, ciente disso, já alertava que a luta dos negros não deveria se restringir à questão racial – obviamente, não negando tais questões intrínsecas –, mas sim à questão de classe. Conquistas de direitos são importantes e necessárias, mas se o horizonte político se resumir ao campo dos “direitos” sob a lógica capitalista, qualquer movimento está fadado à falsa vitória. Pois a verdadeira vitória está na superação da exploração do homem pelo homem, isto é, na luta pela derrocada da sociedade de classes (geradora da desigualdade). Portanto, para a superação das desigualdades a luta deve ser ampla e conjunta, pela superação do patriarcado, machismo, racismo, e o capitalismo (nós da UJC e do PCB defendemos uma Frente Anticapitalista e Antiimperialista).
A igualdade e liberdade são incompatíveis com o sistema capitalista (Confira esse debate aqui). Mas o BBB Daniel acredita estar numa sociedade igualitária, e, justamente por isso, ele deu a resposta preferida de quem acredita que o racismo é neurose de negro militante que vive inconformado com a sua situação que seu povo foi submetido há mais de 400 anos.
Para concluir, acreditamos que o poema “De que serve a bondade” de Bertolt Brecht ilustra bem o que discorremos acerca da igualdade.

De que serve a bondade
1
De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados,ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?

De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?

De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?
2
Em vez de serem apenas bons,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor:que a torne supérflua!

Em vez de serem apenas livres,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!

Em vez de serem apenas razoáveis,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.

Antonio Alves é militante do PCB em Pernambuco.
Alcides Campelo A. Junior é militante do PCB e da UJC em Pernambuco.

[Esse é um texto para a seção Crônicas Vermelhas, onde os militantes da UJC/PE opinam, comentam, debatem sobre diversos temas. Para acessar o conteúdo Crônicas Vermelhas basta acessar no "arquivo do blog por temática" a temática Crônicas Vermelhas, ir na página formação ou destaques, ou clicando no marcador dessa postagem.]
 
Link de vídeos: A pergunta de Bial e a fala de Daniel:
Sobre a mediocridade do programa (Bial e Boni):
Desprezo de Bial ao público que assiste o BBB:
Cenas da agressão policial contra estudante da USP

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